quarta-feira, 9 de março de 2011

Dedos sujos, coração esperançoso

Por Diego Ferreira de Oliveira*

 Quando observei o chão, percebi, a cada passo que um pó avermelhado subia e sujava a ponta dos meus dedos mal protegidos pelo chinelo de borracha que estava calçado. A percepção foi rápida, logo que descemos do carro para a sessão de 5 minutos de observação e momento para fotografarmos uma área bem atingida por um deslisamento de encosta numa comunidade chamada Baixa Floresta, em Friburgo região serrana do Rio, um dos locais que mais sofreu pela recente tragédia na região. Um curto espaço de tempo é verdade, mas o suficiente para vislumbrar um cenário comparável a um cenário de pós guerra. Ainda a caminho da comunidade, vimos carros completamente retorcidos, desformes, totalmente inutilizados, casas destruídas, uma mistura de lama, concreto, pedaço de paredes e tetos, pedras enormes que percebemos ter rolado morro a baixo, marcas d'água acima de 2 metros de altura em algumas casas. E então paramos nesse local.

Uma rua transversal a um terreno íngreme, o qual na parte de cima em meio ao cenário de destruição de várias casas, fizemos um pequeno esforço imaginativo e percebemos o que havia acontecido, uma escarpa de rocha na qual provavelmente em momentos anteriores repousava uma camada de terra, na qual as casas haviam sido fundadas, não resistiu ao intenso volume de chuvas e desmoronou levando consigo edificações, mobílias, carros, famílias, vidas e consequentemente tudo que advém daí. Soterrando sonhos, planos, amores. Agora se fazia presente a realidade destroçada de um cenário material que escondia em si uma miscelânea de sensações humanas: frustração, indignação, desânimo, depressão, impotência, mas também por incrível que pareça esperança, sonhos, gratidão diante da não concretização de uma sorte pior.

Eu estava lá por um convite feito da Visão Mundial (uma ONG de ajuda humanitária) à Aliança Bíblica Universitária do Brasil (mais conhecida como A.B.U) a fim de observar um trabalho iniciado por eles na Igreja Central Metodista de Nova Friburgo, chamada “espaço amigável”. Lá seriam desenvolvidas algumas atividades no espaço da igreja, que serviu e ainda tem servido de posto de entrega de alimentos e produtos de necessidades básicas em geral, com as crianças da comunidade Alta e Baixa Floresta, a qual fomos rapidamente visitar uma parte. A noite daquele dia, uma segunda-feira de verão, a igreja desenvolveu uma cerimônia de início do projeto onde se faziam presentes alguns representantes da Visão Mundial, da igreja e até da política partidária local. Mas o que mais me impressionou não foi nada disso, foi algo que a coordenadora local do projeto leu na cerimônia, um texto reflexivo de uma figura maravilhosa da cidade chamado Sebastião Guerra. Um ilustre, outrora, desconhecido para mim; suas palavras junto a uma conversa com um dos pastores locais, e algumas coisas que ouvi aqui e acolá, me despertaram para algo que pode ser extremamente transformador na cidade. O processo de reconstrução de Nova Friburgo.


Nesse texto de Sebastião Guerra intitulado “A lua cresce no céu de Friburgo”, ele apresenta os motivos pelos quais não é possível dizer que tudo está voltando ao normal na cidade, porque segundo ele: “O normal de antes era feito de muitos interesses separados; seja por grupos sociais e econômicos; seja por grupos de famílias; seja por religiões ou entre pessoas 'do bem e do mal'. O normal de antes era civilmente muito solitário, era feito de conselhos municipais esvaziados, envelhecidos antes de florescerem; era feito de instituições sociais importantes e maduras, atuando ingenuamente em nossa sociedade. O normal de antes tinha muito pouco tempo para solidariedade, para servir ao outro acima de tudo.” A atual situação da cidade como relação a seu legado positivo tem como marca fundamental esse sentimento. O amor ao próximo. “Agora é tempo de contar histórias sobre o amor que descobrimos; amor cru, desnudo, amor enlameado”.

Percebemos que o ambiente está mudado, e em processo de percepção e desenvolvimento de algo verdadeiramente novo. Pelos acontecidos as igrejas acabaram tendo um papel fundamental de apresentação de apoio e socorro; é bom ver o papel profético da igreja sendo exercido de forma prática e sem leviandades.


- “Façamos de nossa cidade Nova de novo”, ou algo nesse sentido, disse o pastor local. Nesse momento despertei das digressões feitas; estávamos agora no fim da cerimônia, exatamente naqueles eternos segundos que se sucederam fui tomado por uma sensação profunda no coração, esperança, que talvez seja até um pouco ingênua, mas de algo não posso duvidar é extremamente verdadeira.


* Diego é estudante de História na Universidade Federal Fluminense - UFF, no Rio de Janeiro, membro do grupo local da ABUB e da Rede Fale.

Um comentário:

Ju Peres disse...

Adoro a parte em que ele fala do papel profético exercido na prática!