sexta-feira, 31 de agosto de 2012

De novo as eleições: Irmão pode votar em irmão?


Por Flávio Conrado*
Publicado originalmente em Novos Diálogos

Uma vez mais estamos vivendo o “tempo da política”. Eleições são momentos que levam as questões da “política” a se introjetarem no cotidiano de todos, com a presença quase sufocante de apelos eleitorais, de disputas partidárias e de candidatos aparecendo por toda parte e em todos os cantos da cidade, sem falar do horário eleitoral (com suas caricaturas!) e a cobertura que jornais e revistas dedicam aos temas relacionados ao processo eleitoral. É o momento das adesões, das críticas e das discussões em torno de propostas e projetos de cidade, para uns; ou de saber se e como será possível obter alguma vantagem no famigerado troca-troca já bem conhecido, para outros. A verdade é que quase ninguém é capaz de ignorar o espetáculo das eleições, nem assistir passivamente aos seus apelos. Quer se acredite ou não na mudança operada pela política, não há como negar que ânimos se evidenciam e a sociedade experimenta um tempo especial onde composições e divisões são construídas. 

Quando comecei a estudar a participação político-eleitoral dos evangélicos em meados dos anos 1990, me perguntava se era possível pensar em uma particularidade evangélica na expressão de ideias e valores políticos no Brasil contemporâneo. Chamava, e ainda chama, a atenção nossa capacidade de eleger e fazer das comunidades evangélicas espaços de mobilização eleitoral como nunca antes houvera imaginado os pais fundadores do protestantismo brasileiro e suas correntes majoritárias até os anos 1960. Naquela época, já havia sido observado, através de algumas pesquisas sociológicas e antropológicas, que a máxima “irmão vota em irmão” tinha se consagrado como fórmula hiperbólica do ativismo político pentecostal. Obviamente, minha esperança era detectar descontinuidades com as práticas e concepções políticas vigentes no cenário político brasileiro. 

Em primeiro lugar, destaco dois aspectos positivos a respeito dessa participação. Não é novidade dizer que esta experiência recente de participação política é um indicador de que nossa democracia avança. Já em 1996, Antonio Flávio Pierucci (1) dizia isso a respeito da abertura dos pentecostais para o mundo da política como um fato positivo do processo de democratização no país, já que são massas que participam do jogo democrático como sujeitos — recuso por princípio a máxima de senso comum de que “evangélico não sabe votar”, assim como já superamos a ideia de que o “povo não sabe votar”, ambas escondendo certo elitismo esclarecido cujo projeto racionalizador ou modernizador supõe a tutela das “massas ignorantes”. 

No caso específico dos evangélicos, pode-se fazer também a mesma observação que o antropólogo Marcio Goldman (2) fez ao estudar a participação do movimento negro nas eleições de Ilhéus: a dimensão da subjetividade política ocupa um lugar importante na economia da identificação entre candidatos e eleitores evangélicos. O já tradicional “irmão vota em irmão” é mais do que simplesmente a ausência/presença de discernimento político; ao contrário, é exatamente a identificação subjetiva entre o eleitor e um candidato que compartilha a mesma identidade, abstraindo mesmo as contradições de um projeto político que não leva em conta as consequências republicanas de tal escolha. Mas aí também se encontra a lógica da democracia representativa e não nos deveria surpreender. Muitos parlamentares negros, gays, sindicalistas, mulheres, jovens etc. foram eleitos acionando essa mesma lógica identitária. Longe de ser ruim para o sistema democrático, é a garantia de que diferentes demandas, de diferentes setores, chegarão aos espaços representativos do arcabouço democrático. 

Desconfio que parte de nossa reticência com a participação dos evangélicos na política esteja baseada na constatação que ele foi operado majoritariamente por sujeitos políticos pentecostais e neopentecostais (pobres e pouco instruídos!). É preciso reconhecer, talvez, que o “irmão vota em irmão” não é uma aberração democrática em si, é antes a expressão do que é mais fundante na democracia, o desejo de ser e de ter através de representantes eleitos por meio de identidades e interesses particulares (embora seja possível residualmente a eleição de candidatos com discursos universalistas). O fato de que esses candidatos foram escolhidos por máquinas denominacionais tem pouca importância neste argumento (3). 

Por outro lado, para não dizer que só falei das flores, me parece importante a distinção que faz Renato Janine Ribeiro entre desejo e vontade como duas ideias chaves para pensar o projeto democrático-republicano — embora utilizemos estes termos intercambiavelmente, deveriam ser analiticamente separados, defende o filósofo. Vontade, diz ele, é a base da república porque funda-se na autolimitação, na restrição de nossos desejos mais intensos em benefício de certos ideais. Já a democracia, continua, tem sua expressão no desejo, no anseio popular por ser e ter mais — ele explica que os teóricos gregos da política também usavam o termo demos para designar os “pobres”. A saída estaria, então, na dialética entre desejos e ideais/[força de] vontade. Dito de outro modo, o cerne da questão é que “o problema da democracia, quando ela se efetiva — e ela só se pode efetivar sendo republicana —, é que, ao mesmo tempo que ela nasce de um desejo que clama por realizar-se, ela também só pode conservar-se e expandir-se contendo e educando os desejos” (3). 

Paradoxalmente, é o evangelicalismo pentecostal (em grande parte puritano, pela contenção dos excessos) que não é capaz de conter seus próprios desejos — nesse caso, de reconhecimento, de influência na cultura, no ordenamento social, de presença na mídia —, e abraçar ideais republicanos como o respeito ao pluralismo, a busca do bem comum, a responsabilidade pública. Penso que o que é chocante no “irmão vota em irmão” é a incapacidade de eleitores e parlamentares evangélicos (e aqui a denominação ou origem denominacional significa muito pouco) de desenvolver, acionar ou manter-se vinculado à lógica republicana e seus ideais. Aí parece estar o nó da questão. Quando líderes evangélicos procuram ou são procurados por líderes políticos para selar acordos eleitorais, não negocia-se apenas as consciências individuais — desconsiderando um dos pilares da democracia, a consciência política. Querendo levar a igreja para a dimensão política como curral, é a dimensão republicana do bem comum, que se pode inclusive identificar nas entrelinhas do Antigo e do Novo Testamentos, que se perde de vista. Colonizam-se as consciências, impedindo a uma só vez a manifestação da dignidade da política (Hannah Arendt) — enquanto atividade fundamental da vida em comum —, e a dignidade da diferença (Jonathan Sachs) — enquanto afirmação do diálogo como valor e da capacidade de dialogar visando o bem comum. 

Grande parte da atuação político-eleitoral evangélica é cega para questões estruturais da sociedade brasileira como a pobreza, a desigualdade, a violência urbana, o saneamento, a habitação, a reforma agrária, a corrupção, a educação, a saúde, e tantos outros temas que são centrais para um país justo e igualitário. É cega também para o diálogo com diferentes setores da sociedade e enxerga a si mesma como portadora de algum tipo de licença para sacrificar os meios no altar dos fins (os fins aqui não sendo o bem comum, mas uma certa “maquinação orquestrada contra os evangélicos”), daí não poucos casos de corrupção envolvendo parlamentares evangélicos. 

Ao usar as eleições seja para afirmação de cacife social seja para cacifar interesses corporativistas os líderes e políticos evangélicos apequenam o legado ético do cristianismo, leiloam as consciências individuais e perdem uma grande oportunidade de fazer do “tempo das eleições” um momento de educação política para um projeto democrático-republicano de nação, no qual evangélicos, junto a outros segmentos religiosos e não-religiosos, construam outro Brasil possível. 

Irmão pode votar em irmão? Pode, claro, mas apenas na medida em que signifique um “responsabilizar-se pelo mundo” como parte da tarefa de renovação de toda a criação. 

Notas
(1) A benvinda politização dos pentecostais. Contexto Pastoral, n.33, p.6, 1996.
(2) GOLDMAN, Marcio. SEGMENTARIDADES E MOVIMENTOS NEGROS NAS ELEIÇÕES DE ILHÉUS. Mana [online]. 2001, vol.7, n.2, pp. 57-93. ISSN 0104-9313. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93132001000200003.
(3) Candidatos, em geral, não são escolhidos em processos democráticos mas, na maioria das vezes, por máquinas partidárias ou facções partidárias, na disputa pelo poder político.
(4) Ver http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/versus.html e http://www.renatojanine.pro.br/FiloPol/pensando.html.

*Flávio Conrado é mestre e doutor em Antropologia pela UFRJ, com pós-doutorado pela Universidade de Montreal (Canadá). É assessor da Rede de Jovens da América Latina e do Caribe de Religiões pela Paz. Editor da revista e Editora Novos Diálogos.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Por que somos contra o voto de cajado

*Caio Marçal

Estamos numa época realmente importante da vida política brasileira, pois chegou o tempo das eleições municipais. Sim, embora política não seja algo que se faça apenas em época de pleito eleitoral, apesar dos escândalos envolvendo autoridades escolhidas para gerirem o estado terem causado nojo e fomentado o desejo de grande parte de nossa gente a querer distância desse tema, apesar de tudo isso, cremos que a conquista do voto num país que por algumas vezes viveu longos períodos de ditadura, deve ser visto como uma avanço para nosso país.
Com o apoio da Rede FALE (cristãos que oram e agem em favor da Justiça), o grupo do Fale RJ começou a campanha “FALE contra o Voto de Cajado”, que tem como foco sensibilizar os cristãos quanto ao mau uso que alguns líderes religiosos fazem de suas funções para favorecer determinado candidato ou partido.
Agora, por que estamos realmente preocupados com isso? Será que não é perda de tempo fazer esse debate e simplesmente deixar “o circo pegar fogo”? Como cristãos e eleitores, enumeramos algumas questões que são necessárias para reflexão:

1 – Fé não se vende e não se negocia
A realidade é que estamos numa época(assim como em outros momentos) em que existem pactos espúrios com partidos ou candidatos para conseguir benefícios para igrejas ou denominações, como, por exemplo,  a doação de terrenos para templos, obter concessões de rádios e TVs ou mesmo ter tratamento diferenciado perante a lei.
Esses são apenas alguns tipos de barganha, "acertos", acordos e composições de interesse que infelizmente costumam acontecer “por trás dos púlpitos” em tempos de campanhas eleitorais, envolvendo também políticos e candidatos evangélicos. A fé é sagrada! Não pode ser tratada como moeda para conseguir vantagens. É lamentável que a sede de poder e dominação, que tem contornos diabólicos, sejam ainda hoje uma tentação para muitos. O papel da Igreja na sociedade não é servir-se do estado, mas zelar para ser a consciência da sociedade e como bem disse o Pastor Batista Martin Luther King, “A igreja... não é a senhora ou a serva do Estado, mas, antes, a sua consciência... E nunca sua ferramenta!".
Deus não precisa de precisa de apadrinhamento político para cumprir seus propósitos na História e é Ele quem defende sua Igreja. A Igreja, antes de desejar os tronos desse mundo, só reina pelo Serviço, na busca da Justiça e pela propagação do Amor que encontramos nos braços afetuosos do nosso Pai Eterno.

2 – Deus não tem partido e nem ideologia
Uma das verdades mais radicais sobre Deus é que Ele não é refém de uma ideologia ou partido, e a causa do Reino de Deus não pode ser instrumentalizada em favor de quem quer que seja. Tentar identificar a fé cristã com esse ou aquele partido ou ideologia é o "X" da questão. Os líderes religiosos jamais podem esquecer que com Deus não se brinca e que não o nome dEle não pode ser usado em vão! Deus, que não é manipulado por mãos humanas, não pode ser tratado como uma marionete de projetos de poder, ou para favorecer preferências políticas pessoais, por melhor que pareçam.
O pastor pode participar da formação política de suas ovelhas? Sim! Somos a favor que haja nas igrejas um processo comunitário de reflexão, oração, e investigação de temas e os pastores e líderes devem se empenhar para que os crentes votem com ética e discernimento. Porém, a bem de sua credibilidade, o pastor deve evitar transformar o processo de elucidação política num projeto de manipulação e indução político-partidário. Ademais, no debate político-partidário, a opinião do pastor deve ser ouvida apenas como a palavra de um cidadão, e não como uma profecia, e a ética pastoral indica que ele não deve favorecer sua inclinação pessoal em detrimento aos outros irmãos.
A pluralidade que hoje é marca da igreja evangélica nos convoca a que não sejamos tutelados por posicionamentos de apoio a candidatos ou partidos dentro da igreja, sob o prejuízo de não apenas constranger os eleitores, mas causar divisão na comunidade de fé.

3- Que tipo de testemunho oferecemos para nosso povo?
O proceder fala muito mais do que nossa pregação. Se desejamos mesmo que nosso país seja transformado pelos valores do Reino de Deus, precisamos nos arrepender de certas posturas também no campo do debate político e perceber o estragos causados pela relação promíscua com o poder. O que dizer quando estes espalham boatos em relação a um político com a intenção de induzir os votos dos eleitores assombrados, na direção de um outro candidato com o qual estejam compromissados? O que falar de certos políticos que são ajudados pela prática do voto de cajado quando eles fazem a “oração da propina” ou das “sanguessugas evangélicas” que desviaram verbas públicas destinadas para a saúde do nosso povo?
Enfim, poderíamos citar ainda uma série de casos escabrosos que deixaram nódoas na imagem pública da igreja, mas a questão essencial é que esse tipo de prática frequentemente tem causado mau testemunho para os não cristãos e não é incomum os evangélicos serem tratados como massa de manobra por esses.

Nesse momento especial de nossa nação, cumpramos com integridade e espírito público nossa vocação de cidadãos brasileiros. Para os nossos irmãos de fé, nosso estímulo é:
“Pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus”. Miquéias 6:8b

Em Cristo,

Caio Marçal – é missionário e Secretário de Mobilização da Rede FALE

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Fale contra o voto de cajado


As eleições municipais de 2012 prometem ser as mais evangélicas de todos os tempos. E isso, no pior dos sentidos. Assim como no pleito presidencial de 2010, a temática religiosa e o “olho grande” no voto dos evangélicos se desenham como os grandes alvos dos candidatos para as eleições deste ano. 

Uma reportagem publicada no Jornal O Globo, do Rio de Janeiro, em 05 de Julho, trazia a seguinte chamada: “No Rio, candidatos miram eleitor evangélico e áreas das UPP”. Outra matéria, no dia 27 do mesmo mês, o mesmo jornal denunciava: “Evangélicos usam estrutura de templos em suas campanhas”. Não há dúvida que para interesses duvidosos, os evangélicos são sim, um excelente curral eleitoral. Segundo o Censo de 2010, no estado do Rio de Janeiro, o catolicismo, religião historicamente dominante, tem perdido gradativamente o número de adeptos, chegando a menos de 50% da população. Em pelo menos 11 dos 19 municípios da região metropolitana, foram superados pelos evangélicos em número de fiéis.

Somam-se a estas informações, a triste realidade  de parte do rebanho evangélico: pessoas fortemente orientadas por seus líderes, autoridades eclesiásticas que agem de “má fé” se colocando acima de qualquer ética, e se auto anunciando como porta-vozes de Deus. Um exemplo do resultado disso se vê na pesquisa realizada pelo Datafolha na já tradicional “Marcha para Jesus” deste ano, em São Paulo. Segundo dados apurados, pelo menos um terço dos fieis presentes àquele evento, o maior organizado por evangélicos em todo pais, certamente votariam no candidato indicado por seu pastor. Outros 34% disseram que talvez votassem e apenas 33% disseram que não votariam em candidatos apoiados pela igreja. Ou seja, no total, 65% dos que foram à Marcha Para Jesus são direta ou parcialmente influenciados pelos comandos das igrejas na eleição. 

Reconhecendo esta realidade e interessados em propor discussão e oferecer elementos que, de alguma maneira, sugiram caminhos para transforma-la, integrantes da Rede Fale no Estado do Rio de Janeiro promovem a Campanha Fale Contra o Voto de Cajado (em alusão ao voto de cabresto, sistema tradicional de poder, característico do coronelismo). A mobilização pretende ser uma voz ativa, durante o período eleitoral, contra a utilização dos espaços e posições eclesiásticas para a promoção inescrupulosa da política e manipulação dos rebanhos. As atividades se darão basicamente por meio de comunicação nas redes sociais com imagens, vídeos e textos provocativos e de reflexão, além da realização de fóruns e debates sobre a temática fé e política em datas e locais a serem divulgados.

O material da campanha já está disponível a partir de hoje, e será acrescido gradativamente durante a campanha nos canais da Rede na web (facebook, twitter, site e youtube). Como é característica do Fale, todos aqueles que se identificarem com a causa podem e devem participar, replicando o material para o maior número possível de pessoas, reunindo grupos em comunidades locais para orar, promover discussão e reflexão sobre os temas abordados na campanha e até mesmo sugerindo e promovendo outras formas de atuação. 

Ore:

- Pelos pastores e líderes, para que busquem uma vida de acordo com o que pregam sem o uso e abuso de sua função eclesiástica para manipular o rebanho em seus próprios interesses. 

- Pela formação política (conscientização) da sociedade brasileira como um todo,  para que haja libertação das amarras ideológicas construídas ao longo da História, reproduzidas de diversas formas para que tudo permaneça como está.

-Para que os cristãos tenham voz profética para a transformação da realidade na qual estão inseridos, não suportando injustiças de todas as formas, corrupções e mentiras. 

Fale! Porque juntos podemos fazer um barulho construtivo.