quarta-feira, 28 de março de 2012

Um povo que vive em tendas

Por Matthew Creber*
Traduzido por: Marcus Vinicius Matos

Já faz algumas semanas desde que o movimento Occupy St. Paul foi removido, sem cerimônias, de seu acampamento em Londres. 

No local da ocupação não há quase nenhuma evidência de sua presença anterior. Os manifestantes estiveram lá por cinco meses, o movimento virou notícia nacional, e agora parece ter se dissipado. Eles não são mais os queridos do ciclo de notícias da grande mídia, e não são mais um espinho no lado da Catedral de St. Paul.

Por muitas razões, isto é lamentável. É uma pena que não tenhamos mais a oportunidade de assistir a Igreja institucional retorcer-se dentro de nós, ao tentar conciliar a sua vocação para os pobres com a burocracia e os custos necessários para sustentar um prédio opulento, e o amor por seus devotos de tantas nacionalidades. É uma pena não termos mais uma voz no centro de Londres que coloque em questão as próprias estruturas em que confiamos para manter nossa economia e sociedade.

Mas é importante lembrar um aspecto específico da atuação dos jovens que fizeram o movimento Occupy em Londres: eles ficaram em tendas. E as barracas são, pela sua própria natureza, um abrigo temporário. Elas são projetadas para serem armadas rapidamente, embaladas de forma rápida e por terem um curto e limitado período de tempo. Elas nos mantêm móveis, flexíveis, e nos impedem de nos tornarmos em uma instituição. Se o movimento occupy permanecesse onde estava indefinidamente, será que ele teria permanecido vivo, desafiador e contra-cultural? Ou ele teria se petrificado em um movimento político, preso em suas próprias idéias? A remoção das barracas não é uma derrota, nem o fim do Occupy em Londres. É uma evolução. Um movimento que sai das ruas para as mentes, jornais, e blogs tagarelas que sempre foram, na realidade, a fonte de sua força durante todo esse tempo.

O triste é que, como cristãos, estamos destinados a ser um povo que vive em tendas. Na sequência de uma coluna de fogo, alojados em um tabernáculo, os israelitas armavam suas tendas onde quer que seu Deus estivesse. Por quarenta anos eles vagaram no deserto, e Deus não permitiu que ficassem confortáveis, recusou deixá-los sossegar. O pensamento judaico foi marcado pelo exílio – pela idéia de que a fé pode perseverar em face de deslocamento e da dispersão. Quando os discípulos encontraram Moisés e Elias em cima de uma montanha, qual foi a sua resposta? "Vamos fazer abrigos!"

O apóstolo Paulo fez tendas para sobreviver – e não ser um fardo para os membros mais caridosos da Igreja primitiva.  Isto o manteve independente, afiado; poderíamos dizer que o manteve acima dos caprichos das instituições de fé. Isso significava que ele poderia ser livre para falar como ele escolhesse, manter seu discurso provocador, e mesmo ir contra os saberes da sua época. 

Contudo, com o passar dos anos, ficamos preguiçosos. Nós construímos casas de pedra para Deus, e com isso, perdemos nossa capacidade de desafiar – de ser uma voz profética. É comum que mesmo as igrejas mais modernas cometam o erro de igualar projetos de construção e crescimento físico, com sucesso e autenticidade.

Em nenhum lugar esse conflito se tornou mais visível do que quando manifestantes se levantaram para ocupar a igreja de St.Paul, em Londres. A igreja, enraizado na pedra fundamenta da cidade, e dependente de seus milhões de visitantes e turistas para preservar seus edifícios monumentais, lutou para re-encontrar a sua voz profética -, enquanto, os manifestantes, ágeis e rápidos, e com nada a perder além de suas moradias de lona, eram livres para ser mais desafiadores.

Como seria nossa fé sem os edifícios eclesiásticos? Talvez isso nos tornasse mais dinâmicos, mais desafiadores. Nós seríamos cristãs e cristãos mais autênticos em nossas comunidades, menos dependentes de lugares e prédios para nos definir. Será que não deveríamos , então, voltar às nossas raízes, e ser um povo que vive em tendas?

* Matthew é colaborador do site da rede FALE em Londres (SPEAK Network UK). 

Fonte: SPEAK Blog

quinta-feira, 8 de março de 2012

Oremos pelas mulheres


Por Morgana Boostel*


Todos os anos, no dia 8 de março, lembramos do papel das mulheres em nossa sociedade. Um papel de luta, de vida e de coragem.

Durante muito tempo, as mulheres têm sido vitimas de opressão, não apenas por parte dos homens (eles não são vilões sozinhos), mas também por conta de toda uma organização social, que nos coloca em posição inferior de estima e vida. Uma sociedade doente, pecadora, e que precisa rever seus valores. Uma sociedade que ainda permite a violência doméstica que leva tantas mulheres à morte. Uma sociedade que ainda paga menores salários as mulheres.

Hoje, infelizmente, muitos acabam por justificar a opressão contra as mulheres com argumentos bíblicos, distorcendo a palavra de Cristo, que a todo tempo nos chama à libertação e amor. No exemplo de Cristo sentimos o amor, a graça e o cuidado daquele que não excluía os marginalizados, que tornava as mulheres parte da história.

Num tempo em que as mulheres não eram sequer contadas, em que a elas era negado o direito de aprender com os grandes mestres (rabis), Jesus se coloca a ensiná-las (Lucas 10.39) e não se vê diminuído por ser sustentado por mulheres (Lucas 8.3). Jesus revelou seu ministério aos samaritanos por meio de uma mulher (João 4.39). Jesus creditou confiança ao testemunho das mulheres, foi a elas que se revelou e mandou darem testemunho após a ressurreição (Mateus 28.10), isso em um tempo em que o testemunho de uma mulher nada valia.

Neste dia, em que relembramos a luta de tantas mulheres, gostaria de convidar você a orar para que essa realidade seja transformada. E como acreditamos que nossa oração não pode ser dissociada da prática, que sejamos baluartes dessa libertação, dessa manifestação do caráter de Cristo. Que nossa luta seja a favor da justiça!

Oremos então:

  • Para que os direitos das mulheres sejam plenamente reconhecidos em todos os níveis da sociedade;
  • Pelo fim da violência doméstica que na América Latina e Caribe atinge entre 25% a 50% das mulheres;
  • Pela igualdade nas condições empregatícias, mulheres ganham até 40% a menos que homens na mesma função;
  • Para que o acesso a educação seja igualitário entre homens e mulheres.

E que nós mulheres, possamos aprender com o exemplo de algumas, que dedicaram suas vidas a viver o reino de Deus e sua justiça! Lembremos de Dorothy Stang, Madre Tereza de Calcutá, Zilda Arns, Dorothy Day, Elizabeth Fry, Rosa Parks, Catherine Booth, Simone Weil, Sojourner Truth, Frida Vingren, Ruth Siemens, entre tantas outras!


*Morgana Boostel é Secretária Executiva da Rede FALE e mestranda em Ciências da Religião na UMESP.

sábado, 3 de março de 2012

FALE SP promove ação em favor do Pinheirinho

O desocupação do Pinheirinho causou a 9000 pessoas, que foram desalojadas de suas moradias e colocadas em situação de rua e tiveram suas casas demolidas com todos os seus pertences dentro delas. Foi verdadeiro massacre que não tirou a vida das vítimas, mas, que não respeitou o direito à dignidade no viver.

Ariovaldo Ramos, membro do conselho da Rede FALE, afirmou que “O motivo alegado para a prática do massacre, foi a reintegração de posse do terreno ocupado por essas 9000 pessoas a, pelo menos, 8 anos. Posse duvidosa, diga-se de passagem, porque este terreno foi propriedade de uma família que não deixou herdeiros, passando a posse do terreno, por justiça, essa, sim, legislada, para o Estado, portanto, para benefício do povo”.

A Rede FALE São Paulo, comovida com os relatos de abuso de poder do estado de São Paulo,  decidiu se mobilizar para orar pelas pessoas atingidas por essa barbárie para conseguir donativos para esses pequeninos e promover momentos de oração.

Caso você queira nos ajudar articulando sua igreja ou movimento para orar e/ou ajudar o Pinheirinho, envie um e-mail para redefalesp@gmail.com

Para saber mais, leia – Reagindo ao Massacre

quinta-feira, 1 de março de 2012

Reagindo ao massacre - Ariovaldo Ramos

Reflexão de Ariovaldo Ramos sobre a ação truculenta do governo de São PauLo no Pinheirinho.

O Bispo Ambrósio, Bispo de Milão, Itália, não deixou o imperador entrar na Igreja, para participar da missa, por oito meses! Porque, entre 388 DC e 390 DC aconteceu, na Grécia, um massacre de enormes e dramáticas proporções.

Teodósio 1, o Grande, era o imperador de Roma. Graças a uma trama política, que não foi orquestrada por ele, mas, que acabou por provocar a morte do imperador do ocidente, Teodósio, que era, originalmente, do oriente, governou um império reunificado. Foi o último imperador romano a ter essa extensão de governo.

Por volta do ano 388 DC, o Gal. Buterico era o chefe da infantaria romana que controlava a cidade de Tessalônica, cidade grega, fundada em 316 AC, que era capital de um dos quatro distritos romanos da Grécia.

Cumprindo um decreto do imperador, o Gal. Buterico mandou por na cadeia um atleta, um auriga, nome dado ao esportista que conduzia bigas, pequenas carruagens individuais, onde o condutor tinha de ficar em pé, puxadas por velozes cavalos, que disputavam corridas nos circos. Os circos eram construções semelhantes ao famoso Coliseu romano, agora, dedicadas aos esportes, e não mais às lutas dos gladiadores, e que faziam parte da vida de muitas cidades do império romano.

O atleta, cujo nome não se sabe, conduzia quadrigas, nome dado às tais carruagens quando puxadas por 4 cavalos, era muito popular; um atleta tão bem sucedido, inclusive do ponto de vista financeiro, quanto os melhores futebolistas da atualidade. A população, quando soube da prisão do atleta, se revoltou, e atacou aos romanos, e, entre outros oficiais da infantaria romana, o Gal. Buterico foi morto.

Ambrósio era o Bispo da cidade de Milão, onde o imperador Teodósio, que frequentava a Igreja, se encontrava. Conhecendo o temperamento do imperador,  Ambrósio o visitou e lhe pediu que, diante do motim, reagisse com misericórdia.                              

Teodósio, no entanto, dando a entender que havia ouvido o conselho do Bispo, fez com que se espalhasse a notícia de que Tessalônica seria perdoada, contudo, organizou a tropa, sedenta de vingança, para que, tão logo a cidade voltasse à normalidade, agisse com rigor.

A cidade, como era de se esperar, aos poucos, foi voltando à normalidade, principalmente, porque tudo dava a entender que a notícia veiculada, ainda que de modo não oficial, era verdadeira.

Os tessalonicenses, então, retomando o costume e o cultivo da paixão pelas competições esportivas, retornam ao circo, que fora o palco do que acabou por provocar o motim e a morte dos oficiais romanos.

Em determinada ocasião, quando, despreocupadamente, parte considerável da população de Tessalônica se encontrava no circo de esportes, a tropa romana, sob ordens do imperador, cercou o circo e massacrou cerca de 7000 seres humanos. Uma barbárie! Barbárie que ficou conhecida, na história, como o Massacre de Tessalônica.

Tão logo soube disso, o Bispo Ambrósio exigiu que o Imperador se arrependesse publicamente.

Algum tempo, depois de saber da exigência do Bispo, Teodósio resolveu ir ao encontro sagrado, porém, o Bispo Ambrósio saiu à porta da Igreja e impediu o Imperador de entrar para participar do culto, dizendo que ele era um sanguinário, e que se ele não se arrependesse publicamente, não teria mais acesso à missa.

O Imperador resistiu por oito meses, porém, quando se deu conta de que o Bispo não arredaria pé de sua posição, cedeu, e, oito meses depois da intimação do Bispo, o Imperador foi à Igreja vestido como penitente e, publicamente, pediu perdão por seu pecado, pediu perdão por ter ordenado o massacre.

E, embora, o mal não pudesse ser desfeito, a justiça tinha logrado êxito. Ficava, publicamente, claro que ninguém, sob alegação alguma, poderia eximir-se da justiça. Ficava claro que a lei que não serve à justiça, não serve. Ficava claro que o governo que não serve à justiça, não serve.

No dia 22 de janeiro de 2012, em São José dos Campos, São Paulo, Brasil, quase dois mil anos depois do ato do Imperador Teodósio 1, assistimos a um ato de injustiça, a uma barbárie, também, de grandes proporções: 9000 pessoas foram desalojadas de suas moradias e colocadas em situação de rua, e suas casas, nas quais já habitavam a oito anos, foram demolidas. Um massacre que não tirou a vida das vítimas, mas, que desconsiderou o seu direito à dignidade no viver.

Os tempos deveriam ser outros! É tempo de democracia, regime, onde a autoridade maior é o povo. Um regime onde o governo deve ser exercido em nome do povo, e para o benefício do povo.

O motivo alegado para a prática do massacre, foi a reintegração de posse do terreno ocupado por essas 9000 pessoas a, pelo menos, 8 anos. Posse duvidosa, diga-se de passagem, porque este terreno foi propriedade de uma família que não deixou herdeiros, passando a posse do terreno, por justiça, essa, sim, legislada, para o Estado, portanto, para benefício do povo.

Estado que, a exemplo de Teodósio, ludibriou o povo, uma vez que lhe forneceu os serviços básicos de infraestrutura, tais como, água encanada e luz elétrica.

A presença desses serviços do Estado, certamente, deu aos moradores do Pinheirinho, nome pelo qual era conhecido o condomínio residencial, a certeza de que seu direito à moradia havia sido reconhecido, assim como, havia sido corrigido o desvio de posse desse espaço de terra que, de fato, deveria ser utilizado para o benefício do povo.

Engano nada ledo! Um governador redivivo, forneceu as condições para que a injustiça solapasse o direito. E o que durou oito anos acabou em menos e oito horas.

Os moradores estavam negociando, tentando fazer valer o bom senso, já que o mero senso de justiça não foi suficiente! Que nada! As negociações foram desconsideradas! Restaram os gritos, as lágrimas e som áspero da injustiça zombando do direito. Restou a rua para idosos e crianças, para os trabalhadores e as trabalhadoras.

O governador, também, a exemplo do imperador antigo, frequenta a Igreja. O seu ato trouxe para perto de nós uma antiga história. Terá vindo com essa história, a inspiração de Ambrósio? Será que um Bispo haverá, que impeça o governador de assistir à missa, até que, publicamente, admita o seu pecado, e, arrependido, restitua aos lesados o que lhes garante o direito, o que impõe a justiça?

Tomara, como quer Deus, haja, ainda, na Igreja, sacerdotes desta envergadura! Tomara haja, nos frequentadores da Igreja, a firme disposição de não participar desses atos de injustiça, independente de como venham travestidos! Tomara, decidamos, nós, que frequentamos a Igreja, resistir, em nome da consciência, a essa e a qualquer ação similar, que mais parece, como mencionado pelo poeta, fruto de “tenebrosas transações”, que sempre está a serviço da ignomínia.

É bem possível que isso nos gere muito desconforto; que gere muita incompreensão, muita ação disciplinar; que gere muita perda de emprego; que gere muita exoneração; que gere muita perseguição. Mas, de certo, também, há de, finalmente, gerar definição, há de deixar claro onde e em quem o rito é só ritualismo e onde o rito é, de fato, culto. Há, certamente, de gerar caráter, há de recuperar o sentido do ser cristão, há de recuperar o nosso compromisso com a democracia.


Ariovaldo Ramos é pastor, filósofo, conferencista e faz parte do conselho de referência da Rede FALE