terça-feira, 30 de março de 2010

Redes de jovens evangélicos promovem direitos para diminuição da desigualdade no país

Por Priscila Vieira*

Iniciativas de grupos de jovens ligados a diferentes tradições do meio evangélico brasileiro apontam para um movimento de reflexão e ação, que parte da fé, com o objetivo de transformar a sociedade. Pode-se citar como exemplos a participação de organizações evangélicas no Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), as campanhas de defesa de direitos da Rede FALE e ações como a "Carta Compromisso da RENAS-Jovem", elaborada durante o IV Encontro da Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS), a Carta de Rio Bonito, elaborada pela Juventude Batista do Estado do Rio de Janeiro (Juberj), que repudiam a injustiça social no país e propõem ação e reflexão sobre cristianismo e realidade brasileira.

O processo de redemocratização do país pode ser apontado como um dos fatores que criaram condições favoráveis a essa eminente efervescência no meio evangélico. Contudo, possivelmente, a principal motivação para estes grupos juvenis buscarem na fé respostas transformadoras para a realidade é a observação direta do que está à volta. Ao andar pelas ruas de centros urbanos, basta um olhar atento para perceber a realidade que pesquisas e estatísticas revelam: o Brasil é um país marcado pela desigualdade e injustiça sociais.

O Relatório de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (Pnud) de 2007/ 2008 aponta que o território nacional abriga índices compatíveis com a Europa e, ao mesmo tempo, comparáveis a localidades consideradas como as de maior pobreza do planeta. Um dos indicadores que compõem o índice de educação, o analfabetismo, é ilustrativo. Neste quesito, o estado de Alagoas empata com o país africano de Madagascar que ocupa a 143ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Por outro lado, a região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, possui a mais alta taxa de alfabetização do Brasil, 96,5% e, se fosse um país independente, apareceria no ranking à frente de Portugal.

Na paisagem urbana, a desigualdade é óbvia. Mas a injustiça social no país reflete-se também no campo. Enquanto poucos são proprietários de grandes extensões de terra, um grande número de famílias prosseguem sem espaço para implementação do cultivo de subsistência e para geração de renda. Segundo levantamento publicado pela Folha (Folha explica - A Reforma Agrária), entre os anos de 2002 e 2003, o número de famílias acampadas à espera de um lote cresceu de 60 para 200 mil. No mesmo período, as ocupações saltaram de 103 para 222 e os assassinatos ocorridos no contexto de conflito fundiário passaram de 20 para 42.

Não à toa, cerca de 80 líderes da Juberj divulgaram a Carta de Rio Bonito, cujo conteúdo inclui uma lista "Repudiamos" e outra "Nos comprometemos a". Na primeira, aparece em primeiro lugar "a desigualdade marcante no Brasil, porque fere os princípios do reino de Deus". A lista toca questões como corrupção, trabalho infantil e escravo, violência, meio ambiente, direitos constitucionais, individualismo, alienação causada pela distorção do próprio evangelho. Os compromissos incluem a oração, comportamento individual e coletivo ético, além de diversas formas de ação e luta tanto nas localidades e comunidades em que os jovens estão inseridos quanto nas questões políticas e sociais amplas. A carta encerra-se com a citação de Romanos, capítulo 14, versículo 17: "pois o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo".

De modo semelhante, a "Carta Compromisso" da RENAS-Jovem e as campanhas de defesa de direitos promovidas pela Rede FALE, remetem à necessidade de envolvimento da juventude evangélica com temas específicos. A primeira afirma a responsabilidade "da juventude como agente de mudanças e transformações sociais para a promoção da justiça, no combate a desigualdade econômica, social, de classe, raça e gênero", e se propõe a "participar das instâncias de decisão e formulação de políticas públicas de/para/com juventude" como meio para atingir estes fins. A Rede FALE, por sua vez, trabalha com ações ainda mais específicas, mobilizando campanhas de pressão popular para envio de cartões postais a autoridades, chamados "Cartões Ore & Envie", que informam, sugerem ações e motivos de oração sobre o tema tratado. Além disso, o cartão possui uma parte destacável que é uma carta endereçada a uma autoridade envolvida no tema da campanha.

A atuação de jovens evangélicos da Rede FALE em Marabá (PA)

Em 2009, a Rede FALE mobilizou pessoas e grupos de todo o país para orar e agir em prol da melhoria de condições de vida de cerca de 200 mil pessoas que moram na cidade de Marabá (PA) - na região norte do Brasil. Envolvidos há três anos em uma campanha por saneamento ambiental no país, os jovens da Rede FALE decidiram concentrar esforços para a melhoria de uma localidade. A cidade escolhida foi Marabá, e a campanha FALE por Saneamento Ambiental em Marabá foi lançada em janeiro, na própria cidade - simultaneamente ao Fórum Social Mundial Amazônico, realizado em Belém - com o intuito de impactar o município através de reuniões com as lideranças políticas e religiosas do local. Além de promover a solidariedade e união por uma causa específica, o objetivo da campanha foi sensibilizar os evangélicos para o contexto social e, assim, despertar outras mobilizações regionais.

Lobby e educação ambiental

Além dos cartões postais, a Rede promoveu atividades de conscientização, mídia, formação de grupos locais e pressão popular (lobby) com autoridades. Em março, membros da Rede FALE tiveram uma audiência com um dos senadores representantes do Estado do Pará no Congresso Nacional Brasileiro. Durante o encontro com a articuladora Nacional, Kharyna Monteiro, e com o coordenador de Campanha, Carlos Eduardo Fernandes, o senador Flecha Ribeiro assinou o cartão Ore&Envie e comprometeu-se a apoiar a luta por saneamento na cidade de Marabá.

"O senador firmou apoio à campanha e, em ato político, assinou um dos cartões que requer à Companhia Vale do Rio Doce investimentos em projetos de educação ambiental. Ele ainda se apresentou como mediador entre as entidades", disse Carlos Eduardo, apontando os resultados da audiência.

Fórum Social Mundial

A juventude evangélica marcou presença também no Fórum Social Mundial 2009, que ocorreu no final de janeiro, em Belém, estado do Pará. Jovens de todo o país ligados a entidades e igrejas evangélicas promoveram três mesas de debate e o Culto Público por Paz e Justiça. Entre os palestrantes estiveram a senadora Marina Silva, Dom Maurício Andrade, do Conselho Latino Americano de Igrejas (CLAI), Pedro Strozemberg, secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (ISER), e o teólogo e filósofo Ariovaldo Ramos. As mesas abordaram os seguintes temas: juventude, fé e participação política; políticas públicas, organizações religiosas e defesa de direitos; e saneamento ambiental. Cerca de mil pessoas participaram dos quatro eventos evangélicos dentro do Fórum, que contou ainda com atividades evangelísticas de igrejas da cidade e jovens de outras regiões, como o grupo da Avalanche que permaneceu no acampamento para, segundo a liderança do movimento, "levar a paz de Cristo ao evento".

*Priscila Vieira e Souza é doutoranda em Comunicação e Cultura pela UFRJ, e coordenadora de Comunicação da Rede Fale

Um comentário:

Ricardo Reis disse...

Oi Caio,
Mto bom.
Com algum atraso, agradeço sua visita.
Ab.