segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Presídios, maioridade penal e menoridade moral

Caio Marçal

“Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?
 (Mateus 25:26)

Todos temos acompanhado com muita perplexidade os problemas relacionados ao sistema prisional no estado do Maranhão. Desde  2007, mais de 150 pessoas foram mortas  nas penitenciárias maranhenses. No ano passado o número chegou em 60 vítimas, como tem denunciado algumas organizações de Direitos Humanos.  Com a tentativa de conter a violência no sistema prisional maranhense, a Força Nacional foi acionada, porém o caos que se estabeleceu nesse espaço tomou também as ruas ludovicenses. Os relatos de crimes que teriam sido ordenados por chefes de facções encarceradas tomaram grande parte dos noticiários, além da morte de uma criança que teve mais de 95‰ do seu corpo queimado depois de um atentado a um ônibus, causou consternação todo Brasil.

Porém a barbárie instalada não é um privilégio apenas do Maranhão.  Em todo o país, de norte a sul, o sistema carcerário é usado como um entulho humano.  Há crescimento do número de detentos que não tem sido acompanhado pela quantidade de vagas no sistema prisional. O número de prisioneiros no Brasil quase que duplicou nos últimos dez anos.  A superlotação nas cadeias do País vem desde o início do séc XIX, onde já tinha um número muito maior de presos do que de vagas. Também não é de hoje que a falta de controle e os crimes relacionados as violências praticadas por essas facções (ou escolas superiores do crime) arregimentam dentro e fora dos presídios novos “adeptos“, o que mostra o fracasso total na função social dessa estrutura de recuperar e ressocializar os detentos.

Entretanto, no decorrer das tristes e medonhas notícias que pululam sobre o assunto, que tipo de análise se pode fazer além de observações óbvias sobre essa questão? Quais são os debates necessários para a sociedade brasileira que são invibilizados pela grande mídia controlada pelos poderosos tupiniquins? Qual é a alternativa cristã para lidar com o tema do sistema prisional?

Vivemos numa lógica onde a punição é a tônica para aqueles que “saem da linha“. Aliás, a questão é pior. Não basta punir, é preciso trancafiar e ”jogar a chave fora“.  Assim sendo, não há espaço para uma justiça que seja  referenciada no resgate e que o reintroduz o sujeito para  o convívio. Contudo, em algumas unidades federativas, a maioria dos presos sequer passou por julgamento. Como enfrentar  a perversidade com um modelo prisional que chega a mais maligno?

Porém a situação fica mais complicada quando percebemos que grupos poderosos dentro e fora da mídia querem reduzir a maioridade penal e jogar crianças e adolescentes nessa “ante sala do inferno“ que são as cadeias no Brasil. Nossas elites preferem ainda cercar suas com muros altos com proteções eletrificadas, do que repensar as bases de nossas sociedade, que é desigual e desumana, e propor políticas públicas que  invistam seriamente na vida de jovens em situação de vulnerabilidade social.  Em vez de querer curar nosso “corpo social“, se propõe a amputação de seus membros. Suspeito que o mal que desejam extirpar nasce do mesmo mal que constroem suas casas muradas. O que falta não é redução da Maioridade Penal, mas a denúncia de que ainda sofremos os males de nossa menoridade moral.

A violência, que nega a ordem desejada por Deus,  é fruto de injustiça e da desagregação. Ela sempre aparece quando é negado à pessoa aquilo que lhe é de direito a partir de sua dignidade ou quando a convivência humana é direcionada para o mal. A Palavra do Senhor nos diz que a paz é fruto de justiça, da equidade e da inclusão de todos (Isaías 32:17). Não nos iludemos! A fraternidade real para o Maranhão e para o Brasil não será alcançada com mais armas, policiais e presídios, mas com Justiça e Equidade.

A complexidade é muito maior do que os joguinhos infantis do estilo “polícia versus ladrão“. Quando ordenamos nossa vida a partir dos olhos de Jesus, somos impelidos em reconhecer que esses expurgados devem ser reconhecidos como filhas e filhos de Deus e não como estorvos.  Nossa oração é:


Misericórdia, Senhor, misericórdia! Perdoa-nos pela decadente e imoral situação que os presídios no Brasil chegou. Nos ajude a desenvolver uma sociedade que se orienta pelo respeito a dignidade humana e que seja orientada para a restauração e reintrodução daqueles que precisam ser resgatados. Em Cristo, que verteu seu sangue para nos reconciliar com todo o mundo. Amém!

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Caio Marçal é Secretário de Mobilização da Rede FALE

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

A complexidade de Pedrinhas – uma bomba relógio nos presídios do Maranhão

Por Fernando Costa


Quem entra em São Luís pelas estradas de Ferro ou BR 135, se depara com o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, um presídio estadual que reflete a falta de investimentos em várias áreas e que parece ser uma bomba relógio que ninguém consegue desarmar.

O Complexo Penitenciário de Pedrinhas é composto pelos presídios de detenção provisória, de presos de justiça, central de custódia, regime semiaberto e o chamado cadeião. Ninguém entende muito bem o que são esses presídios individuais, mas entender porque a situação chegou a esse estado crítico é menos complexo do que se imagina. Há mais de uma década, as autoridades maranhenses vêm sendo alertadas sobre a necessidade de cumprirem a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984) que prevê, entre outras coisas, a descentralização das execuções penais, com a construção de presídios no interior do Maranhão e o cumprimento da pena na comarca do condenado. Juízes do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) afirmam que o que acontece atualmente no Complexo de Pedrinhas se deve à centralização da execução penal em São Luís, o que durante a última década favoreceu a formação de facções criminosas dentro dos presídios da capital.

Dados de 2013 apontam a existência de 5.500 detentos para 2.219 vagas existentes no sistema (Infopen). Desse total, 60 presos foram assassinados dentro dos presídios durante o ano passado. É comum ouvir conversas avaliando o caos que se instalou no sistema penitenciário do estado e que revelam o que se esperar daqui para frente. Alguns dizem: “tem que matar mesmo, estão pagando pelo que fizeram”; outros afirmam: “Esse pessoal dos Direitos Humanos só quer defender bandido. Quando é um cidadão de bem ninguém aparece para defender”; Também há os que dizem: “Tenho um parente lá dentro que ainda não foi julgado e tenho que levar dinheiro durante as visitas para que ele não seja o próximo a morrer”.

Os relatórios do Conselho Nacional de Justiça, que fiscalizou o Complexo de Pedrinhas, mostram que a situação só será amenizada a partir de uma série de ações. E muitas delas vêm sendo tomadas, mas precisam ser promovidas em conjunto pelo Poder Executivo, Poder Judiciário e sociedade civil organizada. As ações giram em torno da descentralização das execuções penais, construção de unidades prisionais e formação de quadro especializado para atuação em presídios, inclusive com treinamento de pessoal e auxílio de tecnologias; julgamento imediato dos presos em condição provisória que ocupam centenas de vagas, já que alguns estão há anos dentro dos presídios sem ser condenados; repressão ao crime organizado e às facções que agem dentro e fora dos presídios; formação educacional e profissional dos apenados, internos e egressos do Sistema Penitenciário; assistência ao preso e aos seus dependentes. São muitas ações que visam ampliar a resiliência e reduzir a vulnerabilidade frente ao sistema penal.

De fato, fazer tudo isso ao mesmo tempo e com agilidade exige muito de muitos setores, mas esta é a opção para desarmar a ‘bomba’ que é o Complexo de Pedrinhas. A pressão para que essa situação se resolva o quanto antes não é só externa. Não podemos generalizar e achar que as pessoas que estão ali devem ser tratadas apenas como números. Deve haver pelo menos um inocente ali, alguém injustiçado, sem acesso à justiça, seja para defesa ou custódia, como cabe ao Estado nesses casos. Deve haver pelo menos um que já cumpriu a pena, mas ainda não recebeu um documento que comprove isso, pelo menos um que todos os dias apela a Deus pedindo para morrer antes de o matarem, pelo menos um que está ali por causa de alguém que está fora, pelo menos uma mãe que sofre pela imprudência do filho, da justiça e do Estado. Não podemos pensar nossa vida em sociedade isolada da realidade de Pedrinhas. Igreja, Estado e Mídia e sociedade civil organizada também são convocadas a intervir. Afinal, como dizia Bezerra da Silva: “Você me chamou para esse pagode, e me avisou: "Aqui não tem pobre!" Até me pediu pra pisar de mansinho, porque sou da cor, eu sou escurinho...Aqui realmente está toda a nata: doutores, senhores, até magnata. Com a bebedeira e a discussão, tirei a minha conclusão: Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão. Se gritar pega ladrão, não fica um.”

A complexidade de Pedrinhas encontra uma das soluções no objetivo do método da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados: “Promover a humanização das prisões, sem perder de vista a finalidade punitiva da pena, bem como evitar a reincidência no crime e oferecer alternativas para o condenado se recuperar”, diz um trecho da cartilha da APAC. Um presídio com esse modelo está sendo construído no sudoeste do Maranhão. Ele não recuperará os milhares de apenados, mas ajudará a diminuir a reincidência. E quem tem o direito de tirar a chance do outro?

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Fernando Coelho Costa trabalhou como professor durante 2 anos num dos presídios do Complexo de Pedrinhas. É Assessor da ABUB no Norte do Brasil e professor de história e teologia. Texto publicado pela Revista Ultimato

Leia mais
O método APAC
Recomendações Jurídicas
Dados do censo do IBGE, no Maranhão
Programa de Reinserção
Matéria sobre alternativas judiciais
Matéria sobre Lei de Execução Penal
Matéria da TV Mirante (Dia 03.01.2014 – Reportagem: Patrícia Godinho)
Música de Bezerra da Silva Se gritar pega ladrão