
como João Paulo II, seu predecessor. Mas ele adquiriu uma bem merecida reputação como “Papa Verde”, tornando o Vaticano o primeiro país neutro em carbono do mundo, colocando milhares de painéis solares nos seus telhados (um projeto que venceu o Prêmio Euro Solar 2008) e comprometendo o Vaticano com a obtenção de 20% de sua energia de fontes renováveis até 2020.
Ratzinger foi sempre um apaixonado por animais. Ele põe em prática o ensino oficial da Igreja, ensinando que devemos ser amorosos com os animais não-humanos, e que é moralmente errado causar neles sofrimento gratuito. Em entrevista a um jornalista alemão, antes de se tornar Papa, ele disse: “Os animais também são criaturas de Deus. Não há dúvida de que o tipo de uso industrial destas criaturas, onde gansos são alimentados de um modo a produzir fígados tão grandes quanto possível, ou frangos vivendo tão compactados que se tornam apenas caricaturas de pássaros; esta degradação das criaturas vivas em mercadorias parece, no meu entender, contradizer na verdade o relacionamento de mutualidade que se encontra na Bíblia”.
Em seu primeiro sermão como Papa ele retornou a este tema: “Os desertos exteriores estão crescendo no mundo porque os desertos interiores têm se tornado muito grandes. Os tesouros da terra não servem mais para construir o jardim de Deus para que nele vivamos; antes, eles têm sido feitos para servir aos poderes de exploração e destruição”.
O período de 40 dias da Quaresma no calendário litúrgico da Igreja foi pensado para ser um tempo de preparação espiritual para a Páscoa. Mas, na prática, a Quaresma muitas vezes se degenerou em atos de masoquismo sem sentido (de “Eu estou parando com o café/chocolate na Quaresma” a rituais de autoflagelação no “catolicismo popular”). Lembro de meus vizinhos muçulmanos que jejuam meticulosamente durante o dia durante o Ramadan, para depois festejar suntuosamente à noite.
Se o propósito do jejum é nos forçar (cristãos ricos) a ser mais atentos aos clamores dos pobres, a refletir sobre nossos estilos de vida egoístas e mudar de direção, então em vez de parar (digamos) de beber café por quarenta dias, seria melhor utilizar o tempo da Quaresma para estudar as condições sob as quais o café é produzido no mundo, quem ganha e quem perde, e então quem sabe boicotar as companhias de café gourmet cujos produtos nós consumimos impensadamente.
Na verdade, alimentação é um tópico que agrupa várias questões relacionadas à justiça. Parar apenas para nos perguntar “Quem faz a comida que comemos, e a que custo para o resto da criação e para as futuras gerações?” abre uma diversidade de desafios morais inquietantes.
Eis aqui apenas uma amostra:
1. Crueldade com animais. Você não precisa ser vegetariano para ficar horrorizado, como o Papa, com as condições terríveis sob as quais muitos animais são alimentados e mortos para satisfazer as demandas de uma sociedade de consumo. Porcos, gansos e patos confinados são tratados como “mercadorias” (separados de suas mães, artificialmente engordados e inseminados). Muitos de nós na Igreja participamos deste pecado estrutural através do nosso silêncio.
2. Práticas intensivas de agricultura e pesca. O uso de redes-arrastão em ampla escala, no Mar do Norte, tem exaurido os suprimentos de peixe, e o mesmo está acontecendo no Oceano Índico. Pescadores do Sri Lanka e do Sul da Índia se agridem quase todo dia ao longo da costa da ilha; a razão é que as águas costeiras do Sul da Índia têm sido desabastecidas de peixes pelos métodos de pesca insustentáveis, forçando os pescadores do estado de Tamil Nadu a pescar ilegalmente nas águas do Sri Lanka.
3. Desperdício. De acordo com o Instituto de Engenheiros Mecânicos da Inglaterra, cerca da metade da comida produzida no mundo a cada ano termina sendo desperdiçada. Eles culpam os prazos de validade desnecessariamente curtos, a prática do “compre-um-leve-dois” e as demandas dos consumidores ocidentais de comida cosmeticamente perfeita, juntamente com “práticas agrícolas e de engenharia pobres” e instalações de estocagem inadequadas em muitos países em desenvolvimento.
4. Mudanças climáticas. As comunidades pobres ao redor do mundo sofrem cada vez mais os eventos climáticos intensos e padrões variáveis de clima causados por emissões de gases de efeito estufa nas nações mais ricas. Desertificação, pragas e inundações estão crescendo a passos largos. O ano passado foi o mais árido da história dos EUA; enquanto que milhares de pequenos agricultores na Índia cometem suicídio a cada ano por causa das monções malsucedidas, endividamento a agiotas e a diminuição da terra arável.
5. Comércio injusto. Enormes subsídios governamentais pagos aos fazendeiros e ao agronegócio nos Estados Unidos e na União Europeia, combinados com impostos sobre a comida importada, significa que agricultores nos países pobres não podem competir e, assim, abandonam inteiramente a atividade agrícola. 75% da produção alimentar do mundo está nas mãos de apenas três corporações. Enquanto nenhuma decisão sobre os efeitos tóxicos dos alimentos geneticamente modificados (OGMs) nos seres humanos e no meio ambiente foi ainda tomada, a questão de quem tem acesso às sementes geneticamente modificadas tem uma resposta clara: apenas agricultores ricos podem comprar as sementes de gigantes como a Monsanto. Um sistema global de patentes injusto piora as desigualdades entre e dentro das nações.
Os profetas bíblicos foram fortemente críticos no seu desprezo daqueles que pensavam do jejum como uma técnica religiosa para ter Deus ao seu lado:
O jejum que desejo não é este:
soltar as correntes da injustiça,
desatar as cordas do jugo,
pôr em liberdade os oprimidos
e romper todo jugo?
Não é partilhar sua comida com o faminto,
abrigar o pobre desamparado,
vestir o nu que você encontrou,
e não recusar ajuda ao próximo?
(Isaías 58. 6, 7)
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Texto publicado por Novos Diálogos
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