sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Polícia para quem precisa de polícia: A pedagogia da violência dos governantes do Rio


Por Clemir Fernandes

Educação por si só não muda um país, mas sem educação, sobretudo de qualidade, nenhum país alcança pleno e sustentado desenvolvimento, especialmente humano e social. É o que nos ensina mestre Paulo Freire, que tomo aqui de maneira livre.
A mais recente pesquisa da PNAD (IBGE) revelou, por exemplo, que estatisticamente o índice de analfabetismo se manteve estável, isto é, deixou de cair. Este é apenas um dos muitos problemas no contexto da educação brasileira, que tem ainda repetência, evasão, desestímulo de professores, sobrecarga de atividades dos profissionais, salários e estrutura de trabalho obscenos, modelos pedagógicos ultrapassados e muitos etcéteras.
Mas os professores persistem, resistem e insistem num trabalho sacerdotal pela educação no país. Caso ilustrativo é o Rio de Janeiro onde há 19 anos não havia nenhum movimento de discussão sério que levasse a uma greve, como acontece agora. Não que a situação fosse maravilhosa mas resignados se mantiveram em seu trabalho, procurando outras soluções. Agravando os problemas e também motivados pelas manifestações monumentais de junho e julho em todo país, eles ousaram mais em sua busca de melhor estrutura de trabalho, avanço pedagógico e salários mais dignos.
No entanto, ao invés de dialogar e negociar, com a mesma persistência de trabalho dos professores, os governantes, ao contrário, impõem projetos autoritários, e sem qualquer discussão, proíbem a entrada de professores na casa legislativa outrora conhecida como “casa do povo”. E não satisfeitos com tamanha truculência típica de regimes não democráticos, mandam suas forças de segurança, nomeadamente a Polícia Militar e seus batalhões de choque, agir com violência, como vem acontecendo, especialmente, desde o final de setembro na região central do Rio, onde professores tem se manifestado pacificamente.
E chegou-se a um impasse terrível, fruto da violência física, moral e simbólica contra os professores: as negociações estão cerradas.
O prefeito do Rio massacrou os profissionais da educação com sua ampla maioria na Câmara Municipal e o governador colocou sua polícia na rua para espancar, lançar gás de pimenta e dar tiros. Uma professora morreu a partir da violência da última terça-feira (01/10) na Cinelândia.
Os professores estão se sentindo, com justiça, ofendidos, desmoralizados, violentados. Os relatos de choro, angústia, impotência, tristeza, ira, depressão são vários entre esses profissionais. Como voltar para a sala de aula nessas condições?! Onde encontrar forças e motivação para retomar a tarefa educacional? Enquanto isso, milhares de alunos estão sem aulas; pais e responsáveis com suas estruturas de vida que são muitas vezes precárias, ainda mais complicadas; e as crianças sem alimentação, pois, como é sabido, a merenda escolar é para muitos alunos a alimentação mais importante que recebem diariamente. Óbvio que a responsabilidade é dos governantes que têm agido sem a grandeza, sabedoria e dever que o cargo lhes exige.
Já o tratamento dispensado pelos poderes públicos aos grandes eventos internacionais ocorridos e que virão a acontecer no Rio e em outras partes do Brasil é muito diferenciado. O tratamento é vip! As leis ordinárias do país são desconsideradas para atender extraordinariamente a interesses privados, sobretudo do grande capital internacional. Para quem constrói a base primária do país, em cujo estrado se sustenta todo o edifício de desenvolvimento da nação – que são os profissionais de educação – o tratamento é a brutalidade, com violência simbólica e física.
E a sociedade, sobretudo seus intelectuais, permanecem calados. Não surge ninguém para mediar esse conflito, para convocar as partes, principalmente exortar os poderes públicos a tratar com a responsabilidade de quem é a parte mais forte e tem mandato público a agir de maneira respeitosa com os professores. Cadê a OAB, a ABI, a CNBB, as demais grandes representações do país, inclusive grupos evangélicos?! Sim, existem algumas manifestações pontuais, mas de grupos menos expressivos para a ampla sociedade.
É tempo de oração, mobilização, reflexão, pois a causa é justa. Quem sabe fazer o bem e se omite, diz a linguagem religiosa do apóstolo, comete pecado (Tg 4.17). Jesus, ao contrário, jamais se omitiu, mas andou por toda parte fazendo o bem, informa outro apóstolo (At 10.38). Ao que completa o teólogo René Padilla: A tarefa da igreja é dar continuidade a essa missão de Jesus.
O que temos feito, o que estamos fazendo e o que devemos fazer?
Ouçam, a sabedoria está gritando nas praças e nas ruas (Pv 1.21).
Clemir Fernandes é pastor e formado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul, em Ciências Sociais (UFF), mestre em Sociologia (UERJ) e doutorando em Ciências Sociais (UERJ). É pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER), redator da revista de estudos bíblicos Compromisso (Juerp/Convenção Batista Brasileira), coordenador do grupo gestor da RENAS-Rio, e do núcleo do Rio de Janeiro da Fraternidade Teológica Latino Americana-Brasil. É editor-adjunto da revista Novos Diálogos e apoiador da Rede FALE.
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