Ministério da Relações Exteriores
A experiência brasileira com a utilização do etanol combustível como aditivo à gasolina remonta à década de 1920. Porém, foi somente a partir de 1931 que o combustível produzido a partir da cana-de-açúcar passou a ser oficialmente adicionado à gasolina, então importada. Apesar dessas iniciativas iniciais, entretanto, foi apenas em 1975, com o lançamento do Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL, que o Governo criou as condições necessárias para que o setor sucro-alcooleiro brasileiro se tornasse, três décadas mais tarde, um dos mais modernos do mundo, tendo alcançado significativos resultados tanto ambientais quanto econômicos. Nos últimos 30 anos, o uso do álcool, em substituição à gasolina, promoveu uma economia de mais de um bilhão de barris equivalentes de petróleo, o que corresponde a cerca de 22 meses da produção atual de petróleo no Brasil. Nos últimos oito anos, o uso do etanol propiciou economia na importação de petróleo que se elevou a US$ 61 bilhões, aproximadamente o total da dívida externa pública do Brasil.
O PROÁLCOOL tinha como objetivos principais a introdução no mercado da mistura gasolina–álcool (anidro) e o incentivo ao desenvolvimento de veículos movidos exclusivamente a álcool (hidratado). Em termos cronológicos, pode-se falar em quatro fases distintas de produção e uso do álcool combustível em larga escala no Brasil.
Na primeira, de 1975 a 1979, o Governo, confrontado com o primeiro choque nos preços do petróleo, de 1973, e com a queda de preços do açúcar no mercado internacional, decidiu tomar medidas de incentivo ao aumento da produção do etanol para utilização como aditivo da gasolina. Dessa forma, além de se evitar a ociosidade do parque industrial sucro-alcooleiro, pretendia-se diminuir a dependência nacional para com os combustíveis fósseis.
A segunda fase, que vai de 1979 a 1989, é considerada o apogeu do PROÁLCOOL. Nela, estabeleceu-se uma série de incentivos públicos fiscais e financeiros que envolveram desde os produtores de etanol até os consumidores finais. Seu início foi marcado pelo segundo choque do petróleo, em 1979, quando os preços da commodity internacional mais uma vez dispararam no mercado mundial. No entanto, em virtude da redução do preço do petróleo e do aumento da cotação do açúcar no mercado internacional nos dez anos seguintes, o final da década de 1980 foi marcado pela escassez de álcool hidratado nos postos de combustível brasileiros, o que abalou gravemente a confiança do consumidor e teve sérios impactos na venda de carros movidos a álcool no país.
A terceira fase, entre 1989 e 2000, foi marcada pelo desmonte do conjunto de incentivos econômicos do Governo ao Programa, no contexto da desregulamentação mais ampla por que passou o sistema de abastecimento de combustíveis no país. Em 1990, foi extinto o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), que regulou o mercado brasileiro sucro-alcooleiro durante quase seis décadas. Com isso, diante da redução dos preços do petróleo no mercado internacional, o governo gradativamente transferiu para a iniciativa privada as decisões relativas ao planejamento e à execução das atividades de produção e comercialização do setor. Além disso, com o fim dos subsídios, o uso do álcool hidratado como combustível enfrentou uma grande retração. De forma inversa, entretanto, a mistura de álcool anidro à gasolina foi impulsionada por decisão governamental que, em 1993, estabeleceu a mistura obrigatória de 22% de álcool anidro em toda a gasolina distribuída para revenda nos postos. Na prática, a diretiva governamental gerou uma expansão de mercado para o álcool anidro que vigora até o presente, com o percentual sendo fixado pelo Conselho Interministerial do Açúcar e do Álcool e podendo variar dentro da faixa de 20% a 25%.
Por fim, a quarta fase, que vai de 2000 até os dias atuais, iniciou-se com a revitalização do álcool combustível, sendo marcada pela liberalização dos preços dos produtos setoriais em 2002, pela introdução dos veículos flex-fuel em 2003 – que utilizam qualquer mistura de álcool hidratado e gasolina –, pelas possibilidades de aumento nas exportações de etanol e pelos elevados preços do petróleo no mercado mundial. Nessa fase, a dinâmica do setor sucro-alcooleiro passou a depender muito mais dos mecanismos de mercado, em especial do mercado externo, do que do impulso governamental. O setor realizou investimentos, expandiu a produção, modernizou-se tecnologicamente e, hoje, o etanol de cana-de-açúcar é produzido no Brasil de modo eficiente e a preços competitivos internacionalmente.
Nas últimas décadas, os ganhos de produtividade superaram 30%, reduzindo a necessidade de ampliar a área plantada. O cultivo da cana usa baixo nível de defensivos; tem o maior programa de controle biológico de pragas do país; tem o menor índice de erosão do solo; recicla todos os resíduos; não compromete a qualidade dos recursos hídricos e representa a maior área de produção orgânica do país.
Uma análise do crescimento experimentado pelo setor permite contestar o argumento de que a cultura da cana-de-açúcar voltada para a produção de etanol é danosa ao meio ambiente. Os biocombustíveis, ao contrário, têm tido impacto sócio¬ambiental positivo, ao recuperar áreas previamente desflorestadas, propiciar o rodízio e o arejamento de terras dirigidas à produção de alimentos, além de empregar quase um milhão de trabalhadores, inclusive por meio do sistema de cooperativas familiares. Por outro lado, o aumento significativo que se tem verificado na agricultura da cana-de-açúcar no Brasil – concentrada, basicamente, no estado de São Paulo, longe da região amazônica e ocupando apenas 0,6% do território nacional – decorre, sobretudo, de ganhos de produtividade e de pesquisas empreendidas pela EMBRAPA. A indústria sucro-alcooleira está entre os setores produtivos que mais empregam no Brasil. Cria cerca de um milhão de empregos diretos (inclusive em cooperativas e empresas familiares) e 6 milhões de indiretos. As condições de trabalho na cultura do açúcar são em média superiores às dos demais setores da economia brasileira. A renda familiar dos trabalhadores ultrapassa a de 50% das famílias brasileiras. O Governo brasileiro monitora o setor para assegurar a observância das normas trabalhistas. A ocorrência de trabalho forçado nas lavouras de cana é residual, e o Governo tem intensificado a fiscalização, coibindo abusos. Em 2006, a fiscalização, apenas no Estado de São Paulo, que responde por 80% da produção brasileira de etanol, atingiu 745.000 trabalhadores. Desse total, apenas 0,04% (289 trabalhadores) estavam em condições análogas à de trabalho forçado.
As usinas de álcool brasileiras, tradicionalmente identificadas com um panorama de atraso, são, hoje, um fator de desenvolvimento econômico-social no Brasil e estão no centro de uma mudança de paradigma energético que envolve todo o planeta.
Os biocombustíveis têm ingressado como tema prioritário de pesquisa e desenvolvimento nas pautas de cooperação com diversos países e regiões, entre eles Alemanha, China, Espanha, Estados Unidos, França, Japão, Reino Unido, Suécia, Suíça e União Européia. Organizações e foros internacionais como a UNIDO, a OEA, a Conferência Ibero-americana e o IBAS vêm também dando ênfase ao tema em seus respectivos programas de trabalho. A crescente demanda internacional por cooperação com o Brasil é resultado da vanguarda tecnológica que o País logrou desenvolver na matéria, a partir de esforço autóctone liderado pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Por outro lado, esse aumento na demanda requer critério na seleção de parcerias, de modo a assegurar que a cooperação contribua para o aprimoramento dos processos tecnológicos, em condições equilibradas e mediante regras adequadas para a repartição eqüitativa de benefícios resultantes das pesquisas. A contínua atualização tecnológica, por meio de pesquisa e desenvolvimento, é elemento essencial para que a ampliação no uso dos biocombustíveis venha acompanhada do aumento na eficiência energética e do uso racional dos recursos empregados no ciclo de produção.
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