quinta-feira, 31 de maio de 2007

"OLHO POR OLHO E ACABAREMOS TODOS CEGOS"

Welinton Pereira da Silva*

A frase acima não é minha. Foi inspirada em uma faixa exposta no Maracanã com quase os mesmo dizeres.

Está na ordem do dia a discussão sobre a maioridade penal. É incrível ver como um tema toma conta da população: a mídia bota fogo no circo armado incentivando o espírito de vingança e raiva; vendem-se jornais, revistas e pontos no ibope com a apresentação de soluções simplistas; o clamor popular ou a opinião pública como um deus desejoso de sacrifícios exije mudanças já; e a criminalização dos “ menores” surge como a grande salvadora da pátria. O Congresso Nacional, que recentemente se notabilizou por absolver seus pares mensaleiros, e em não votar nada a não ser as medidas provisórias do Executivo, votou três alterações na lei de segurança em apenas 24 horas.

Contardo Galligaris, psicanalista e colunista do jornal Folha de São Paulo, denuncia a hipocrisia de nossa sociedade citando Michel Foucault ao afirmar que “a prisão é uma instituição hipócrita desde sua invenção moderna, ela protege o cidadão, evitando que os lobos circulem pels ruas, pune o criminoso, constragendo seu corpo, mas nossa alma “generosa” dorme melhor com a idéia de que a prisão é um empreendimento reeducativo, no qual a sociedade emenda suas ovelhas desgarradas”. Quem conhece nossas prisões superlotadas e imundas sabe que as mesmas funcionam como verdadeiros depósitos de seres humanos, para não dizer como universidade do crime.

Estamos todos angustiados e revoltados com a morte de João Hélio, que teve sua vida ceifada de maneira tão trágica e violenta com apenas 6 anos de idade. Mas será que os que defendem a redução da maioridade penal realmente acreditam que isto vai resolver nossos problemas de violência e insegurança? Será que a ida de nossos adolescentes para as cadeias mais cedo vai ajudar na sua reeducação ?

Se analisarmos os dados das Secretarias de Segurança Pública de nossos estados, vamos constatar que o índice de crimes cometidos por adolescentes é infinitamente menor dos que os praticados por adultos. Os crimes cometidos por adolescentes é, portanto, uma pequena ponta do iceberg da violência, insegurança e corrupção presentes em nossa sociedade. Se desejamos resolver de fato a questão da criminalidade nas grandes cidades, nossa reflexão e atuação precisa ser bem mais séria e responsável, não a hipocrisia que estamos presenciando, sobretudo dos nossos dirigentes, que vêm a público fazer propostas que eles mesmos sabem que não são viáveis.

Assisti de novo, recentemente, o filme Ônibus 174 que retrata o episódio vivido pelos passageiros desta linha de ônibus no Rio de Janeiro em que Sandro, ex- menino de rua e sobrevivente da Chacina da Candelária, faz vários passageiros/as reféns. É impressionante a sucessão de erros e a falta de equipamentos da Polícia Militar que estava atuando no caso. O desfecho foi o assassinato de Sandro e de uma refém quando o caso estava praticamente resolvido. Certamente aquela jovem estudante não estaria morta se não fosse a ação atabalhoada dos policiais no caso.

Com toda indignação que o caso de João Hélio deve nos provocar assim como solidariedade com a sua família, gostaria muito que houvesse a mesma indignação e revolta contra todas as injustiças e corrupção que têm assolado o nosso país. País que tem jogado e mantido na cadeia pessoas sem a menor chance de recuperação. Precisamos dar um basta na hipocrisia se desajamos resolver os problemas da violência e segurança. É consenso entre os que conhecem minimamente nossas instituições que o problema não está na lei e sim nas instituições públicas que não funcionam e na sensação de impunidade. A mudança na lei pode até nos dar a sensação de ter resolvido a questão mas certamente o problema persistirá.

Uma sociedade onde poucos são muito ricos e muitos são muito pobres e onde a sensação de impunidade se tornou lugar comum, não basta mudar as leis de segurança; nossa mudança precisa ser bem mais profunda.

Espero que estes acontecimentos recentes como a morte de João Hélio e o assassinato da avó por um menino de 12 anos a facadas depois de ter cheirado solvente (prática comum entre meninos que vivem nas ruas), despertem nossa sociedade deste sono profundo da indiferença e da hipocrisia e nos aponte o caminho de uma verdadeira conversão como propõem os Evangelhos, a conversão ao respeito à dignidade da vida.


* Pastor na Igreja Metodista no Belém- SP

Assessor de Relações Cristãs da ONG- Visão Mundial

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