quarta-feira, 16 de maio de 2007

Missão Integral – a desnecessidade do nome e a necessidade do conceito

Marcus Vinicius Matos*

C.S. Lewis dizia que a humanidade só anda pra frente quando uma geração compreende a geração imediatamente anterior a ela. Desafiados a pensar sobre a Teologia da Missão Integral, somos levados a crer que, graças a Deus, seu conceito influencia, hoje, toda uma geração de jovens comprometidos com o Evangelho de Jesus.

Todavia, isso leva a uma nova crise. Afinal, será que mais alguma coisa precisa ser dita sobre o tema? O que já não foi dito sobre Missão integral? Em um artigo publicado em 1994, Robson Cavalcanti atentava para o fato de que a Teologia da Missão Integral ficava “por fora” das igrejas, atingindo apenas os movimentos “paraeclesiásticos”. Perguntamos: será que isso mudou? Por outro lado, já ouvimos dizer que hoje a missão integral é feita em todo canto, mesmo por quem não sabe o que é a Teologia da Missão Integral. A prova disso seria o fato de que é praticamente impossível ver uma igreja evangélica na qual não exista pelo menos um trabalho de ação social.

Seja como for, de todas as aplicações possíveis da integralidade da missão, um assunto deveras sensível e de significativas diferenças entre as gerações que iniciaram a caminhada da Missão Integral em Lausanne e a geração de hoje, que pega o bastão, é a questão política. Mas não só a questão política eleitoral: nessa, os evangélicos já estão integrados, desde a ditadura. Trata-se da política que se faz também no Poder Judiciário; nas escolas e universidades; nas políticas coorporativas das empresas; e, sobretudo, no dia-a-dia comum do cidadão ordinário. E nisso, perguntamos: qual nossa capacidade de mobilização para lutar por direitos? Para promover a Justiça? Talvez não tenhamos explorado ao máximo o conceito de Missão Integral em sua relação com a política.

Como boa parte dos textos sobre Missão Integral foram escritos no contexto da Guerra Fria, era muito fácil perceber neles os embates ideológicos entre os conceitos clássicos de Esquerda e Direita. Hoje, no entanto, esses embates ainda existem, porém, com novos entornos. Não se trata mais de opor um comunismo despótico a um capitalismo ditatorial; trata-se de opor um “novo socialismo”, ou uma social democracia, a um neoliberalismo e a um governo de empresas multinacionais.

A Globalização parece ter gerado uma crise da qual o Estado-nação não conseguirá sair ileso. Ela não se restringe ao Estado: a crise global atinge também as estruturas culturais, políticas e sociais como um todo. Vivemos, nas palavras de Anthony Giddens, num “mundo em descontrole”, no qual o sistema político comum – com partidos políticos, fronteiras estatais e sentimento nacional – já não faz mais sentido. A grande oposição teórica que surge disso, segundo ele, seria entre um cosmopolitanismo e as diversas formas de fundamentalismo - no caso, cultural. Todavia, é necessário pensar de que forma essa oposição na cultura pode se refletir no contexto teológico.

Até mesmo o conceito tradicional de família foi abalado pela Globalização. Em recente estudo, um professor de sociologia francês alega que, na impossibilidade de definir um conceito de família na Europa contemporânea – devido a um número imenso de crianças que vivem em vários ambientes com pais divorciados, a casamentos entre pessoas do mesmo sexo, e ao surgimento de outras formas de família no estilo “friends” americano – define família pela “roupa suja”, ou seja, família seria aquilo que surge “quando duas pessoas compram uma máquina de lavar, ao invés de duas”. Isso é só pra ilustrar a gravidade do problema, e a necessidade de levar a sério a questão de “discernir os tempos” (I Crônicas 32:12), e ter uma pequena idéia de como o mundo mudou nos últimos 30 anos. É preciso compreender as mudanças para se posicionar diante delas.

No entanto, o que permanece inalterado? Certamente, a pobreza, a miséria e as - cada vez maiores - desigualdades entre os povos continuam presentes. Há quase 40 anos atrás, tratando de Missão Integral, Ronald Sider apontava para a necessidade de que cristãos ricos não se conformassem com os tempos de fome. Num capítulo que trata da questão do envolvimento político, ele aborda a importância de lutar contra a tirania das ditaduras marxistas e das empresas multinacionais, que ocorriam devido à concentração de poder econômico nos dois sistemas. Hoje, o professor Ulrich Beck, da universidade de Munique, depois de questionar a própria produção de estatísticas sobre o tema, conclui que o fluxo de renda dos países pobres para os países ricos aumentou; que o Globalismo Econômico tornou o mundo mais injusto do que era há alguns anos atrás.

Esse fato é um forte indício de que a Missão da Igreja continua a mesma. Apesar de mudanças políticas ocorrerem, a promessa de Jesus se cumpre a cada dia, e os pobres continuam entre nós. Contudo, há algo diferente: nossa responsabilidade aumentou na mesma proporção em que se multiplicaram os pobres.

Nesse início de Século XXI, Esquerda e Direita não são mais sinônimos de partidos políticos ou de ideologias bem definidas, mas sim de posicionamentos diante de questões como Direitos Humanos, Comércio Justo e Ecologia. Nesses dias, quando as relações econômicas globalizadas produzem mais pobreza e desemprego do que políticas públicas de educação; onde o sistema promove morticínios estruturais de classe nos presídios em detrimento de oportunidades de desenvolvimento humano; quando se criminaliza os pobres e se atribui às favelas os crimes do Estado. É nesse mundo que precisamos saber onde afincar a bandeira da Missão Integral.

Porém, mais do que a bandeira, importa resgatar o conceito. Assim, é útil o exemplo de Abraham Kuyper que, antes da criação disso que hoje entendemos como Teologia da Missão Integral, combatia um Estado que “causava condições sociais tão anormais que boa parte da população mal conseguia sobreviver”, e defendia uma política profundamente comprometida com a proteção aos trabalhadores e aos pobres.

Para os próximos anos, nosso principal desafio é esse: promover, de modo integral, a transformação da nossa política, da economia e da sociedade a partir dos conceitos Bíblicos. O que temos que fazer? Temos que recomeçar, cultivar a semente e reviver o espírito de Lausanne na nossa cidade. E como podemos fazer? Dentro de um mundo onde há ONGs e Movimentos Sociais que representam mais indivíduos que partidos políticos, e enquanto houver espaço para a democracia, é possível que o engajamento da Igreja de Jesus Cristo na Defesa de Direitos, movida pelo Espírito Santo, produza aquilo que tanto buscamos: Justiça.

* O autor é estudante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde desenvolve pesquisa em Teoria do Estado. É também coordenador de Campanha da Rede FALE (www.fale.org. br).

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