sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Agrotóxico e contaminação alimentar

Por Kathlean Leal

Imagine se alguém, ao lhe oferecer um cesto repleto de alimentos, antes de lhe entregar borrifasse inseticida em cima deles. E mais: não apenas o aspergisse, mas possibilitasse que fosse incorporado em cada alimento, com o argumento de que colocaria apenas um “nível seguro” que não prejudicaria o consumo. O que você faria? Certamente se recusaria a consumi-los, horrorizado/a com tal proposta, não é mesmo? 
Contudo, este tipo de situação é comum e está “naturalizada” em nossa rotina: a cada dia, ingerimos comida produzida com uso de agrotóxicos e fertilizantes. Cada brasileira/o consome aproximadamente 6 litros destes por ano!!! E estes não estão apenas nas verduras e frutas, como muitas vezes achamos: os biocidas estão presentes no trigo, no milho, na soja, no feijão, no café, arroz, algodão, etc. Ou seja, boa parte de nossas refeições (na verdade, ⅓ delas, segundo dados da ANVISA, 2011, apud ABRASCO, 2012), em alguma medida, está contaminada. 

E não apenas nos alimentos é que nos deparamos com agrotóxico: o solo e a água também são profundamente afetados, por causa da capacidade de parte dos biocidas de se espalharem no ambiente. Pasmem, até mesmo o leite materno vem sendo contaminado, em virtude da propriedade de alguns agrotóxicos de se acumularem no organismo!

Os efeitos do uso de biocidas para a saúde humana abrangem deste agricultores e demais  trabalhadores do setor agropecuário, moradores do entorno dos cultivos e das fábricas, além de todas/os nós, consumidores.  A lista de patologias associadas aos biocidas (mesmo os “menos” tóxicos) é longa, das quais destacamos canceres, má formação congênita, distúrbios endócrinos, hepáticos, renais, neurológicos e mentais (ABRASCO, 2011), algumas associadas a efeitos agudos ou crônicos. 

Apesar dessa assustadora relação de doenças, o quadro pode ser pior: há diversas fragilidades nos estudos científicos sobre as repercussões dos agrotóxicos para a saúde humana. Um delas é que a maior parte dos modelos de avaliação de risco se voltam apenas para a análise da exposição a um princípio ativo ou produto formulado. No entanto, no dia a dia, somos expostos a diferenciadas junções de agrotóxicos, das quais as associações são desconhecidas ou não consideradas nas pesquisas científicas (ABRASCO, 2012, p.45). Ou seja, nem mesmo temos acesso a informações baseadas na nossa realidade concreta acerca das consequências de seu uso. 

Vale destacar que, dos 50 ingredientes ativos de agrotóxicos mais utilizados na lavoura brasileira, 22 são proibidos na União Europeia. Alguns deles são também vedados na África e nos EUA. Tais agrotóxicos banidos possuem ingredientes ativos com elevado grau de toxicidade aguda comprovada  (ANVISA, 2011, apud ABRASCO, 2012, p.35).Por que, então, seu uso continua livre no país? 

Que interesses econômicos há em permitir que nosso povo conviva com venenos tão nocivos? Por que as necessidades do agronegócio e das corporações transnacionais se sobrepõem ao direito à vida e à saúde de nossa população?

Enquanto cristãos, não podemos nos calar diante de tantas injustiças sociais e ambientais causadas por um modelo de produção que traz tantas repercussões negativas para as populações do campo e das cidades, a saúde pública e o ambiente! Neste sentido, a participação na Campanha “Fale em Defesa de uma vida sem agrotóxicos” é uma interessante estratégia para nos colocarmos nessa luta.


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Kathlean Leal é Assistente social, mestre em sociologia, doutora em Serviço Social e professora da Universidade Estadual da Paraíba

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