sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Redução da Idade Penal: esta é uma boa idéia?

O debate sobre a redução da Idade Penal entraria na ordem do dia da Comissão e Justiça do Senado, no fim de agosto e, no momento, aguarda a desobstrução da pauta. Em uma perspectiva jurídico-política, este assunto nem deveria estar em pauta, haja vista a idade penal aos 18 anos constituir-se em Direito Fundamental, devendo esses/as adolescentes ser tratados/as de forma diferenciada. Sendo assim, o art. 60, §4º, III, estabelece que é cláusula pétrea em nossa Constituição, não podendo ser modificada.

Se juridicamente é impossível que se discuta a modificação desta matéria, precisamos observar quais interesses estão forçando este debate. Se formos verificar, a matéria ressurge no Congresso Nacional sempre que há uma violência cometida por adolescente e quando aquele precisa reabilitar a imagem de seus membros. Se há tanto interesse em segurança e na questão da criança e do/a adolescente, deveriam seus membros esforçarem-se para manter e ampliar direitos postos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e não o contrário. No geral, segue-se, infelizmente, um entendimento de que limitar direitos, segregar é a solução para problemas sociais.

Temos que fazer uma reflexão não só sobre a questão dos/as adolescentes, mas da população como um todo, quando falamos em aprisionar, construir mais presídios ou centros de internação. As estatísticas mostram que estamos prendendo cada vez mais jovens, principalmente das classes mais baixas e da população negra, os/as desfavorecidos/as de políticas públicas. Pesquisa do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud) mostra que estamos no topo das listas de países que matam mais os/as seus/suas jovens e o dos que matam mais por arma de fogo; e que a participação dos/as adolescentes em atos contra a vida é em média de 1%, sendo a maior parte dos delitos contra o patrimônio (furto e roubo).

Continuamos, então, a querer tratar problemas sociais com violência institucional e com segregação, com privação de liberdade, como se depreende da proposta de redução da idade penal. Não há soluções rápidas e fáceis para o fim da violência. São problemas estruturais do país, construídos historicamente. É óbvio que se deve melhor valorizar o/a profissional que trabalha com segurança pública, melhor equipá-lo/a e prepará-lo/a para um trabalho comunitário. Todavia, para que as instituições de segurança pública observem, como devem, os direitos fundamentais e os direitos humanos, não basta dar capacitações, há de ocorrer mudanças de filosofia nas formações e nas próprias instituições.

Está comprovado que o encarceramento não resolve. A Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente (SDCA) verificou que, de 1996 a 2006, a população de adolescentes encarcerados/as passou de 4 mil para mais de 16 mil. Por outro lado, a reincidência de medidas socioeducativas de meio aberto chega a 8% e 4%, em municípios como Porto Alegre e São Carlos, respectivamente. Quer dizer, quando se aplica o Estatuto da Criança e do Adolescente, observam-se resultados.

Os manuais de Direito Penal afirmam que a idade penal segue um critério biológico, ou seja, é uma questão de política criminal. Afirmam que não importa se o/a adolescente, de fato, pode determinar-se, se possui discernimento. O que a política criminal deve observar então? Deve observar que no Brasil o encarceramento serve como uma política de segregação de uma elite apartada das dificuldades da maioria da população. Deve observar que as medidas socioeducativas de meio aberto, quando aplicadas em conformidade com o ECA, estimulam a convivência comunitária e familiar e não segregam – e, por isso, são bem mais eficientes que o encarceramento. Também deve observar que a maior parte dos/as adolescentes que está em conflito com a lei não teve acesso a diversas políticas públicas, como a educação formal.

O Instituto de Economia Aplicada (Ipea) mostra que 51% dos/as adolescentes privados de liberdade não freqüentavam a escola quando cometeram o delito e que 90% não haviam concluído o Ensino Fundamental. Se observarmos estes dados e compararmos com o fato de um/a adolescente internado/a custar R$ 4.400,00 por mês, enquanto, pelo mesmo período, um/a estudante de Ensino Fundamental custa R$ 158,33 (dados da SDCA), veremos que não há racionalidade em querer encarcerar. Dessa forma, percebemos que uma política criminal séria não pode querer prender mais e mais cedo, haja vista não haver estrutura para tanto, esta estrutura ser inócua para a solução da violência e mais cara do que investir em Educação, emprego e renda, por exemplo.

Este debate pela redução da idade penal é um desrespeito aos direitos humanos, e se efetivada a redução, esta não resultará em diminuição de violência. Ademais, está explícita a intenção de continuidade a uma política seletiva, uma intenção de segregação, contrária às medidas socioeducativas de meio aberto, que chamam à responsabilidade não só o Estado, mas as famílias e a sociedade (art. 227, da CF). Interesses de alguns grupos de mídia e eleitoreiros não podem sobrepor-se ao interesse público e à perspectiva de vida digna das pessoas.


Esta matéria foi extraída do 397º Boletim Eletrônico da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais - ABONG

Um comentário:

tmartorelly disse...

Só uma correção: o art. 60, §4º da CF, afirma que os direitos e garantias individuais são cláusulas pétreas. Porém não especifica quais são esses direitos, função que cabe à interpretação do STF. Sendo assim, não há uma impossibilidade jurídica em se apreciar a matéria da diminuição da maioridade penal, tal como afirma o artigo.