quinta-feira, 5 de novembro de 2015

PEC 215: um ataque ao povo indígena


José Carlos M. Filho e Caio César S. Marçal[1]


“Ai dos que ajuntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até que não haja mais lugar, de modo que habitem sós no meio da terra“!
Isaías 5-8

“Que novos males
Nos resta de sofrer? - que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
 - As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta“.
I-Juca-Pirama- Canto VI- Gonçalves Dias



Tramita nesse momento no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição 215 (PEC 215), projeto de modificação constitucional que representa talvez um dos maiores ataques aos direitos indígenas já vivenciados na democracia brasileira. Em síntese, a PEC 215 transfere a competência para a demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional, retirando esta atribuição do Poder Executivo.
O que está em jogo é o risco a preservação do já reduzido remanescente indígena do nosso país, uma vez que a demarcação de suas terras se tornará objeto de negociatas políticas e da resistência da bancada ruralista, que conta com força considerável. Num Congresso composto majoritariamente por parlamentares ligados ao agronegócio e a outros setores econômicos que possuem interesse direto sobre (e contra) as terras indígenas, não deixa de ser preocupante que essa proposta seja aceita. É preciso que se diga que nossa Constituição Federal reconheceu como fundamental o direito originário dos povos indígenas à ocupação tradicional de seus territórios, bem como  de seus costumes, línguas, tradições e  organização social. O Brasil é a nação que tem a maior variedade de povos indígenas em todo mundo, e a conservação dessa diversidade depende essencialmente da garantia de fruição de seus territórios tradicionais.
Caso a PEC 215 seja aprovada, representará o fim do reconhecimento do direito originário dos povos indígenas sobre suas terras, pois ao invés de simplesmente se identificar quais regiões são historicamente ocupadas por populações originárias para lhes conceder o seu devido restabelecimento na área, a demanda das demarcações dependerá do resultado do processo político majoritário, processo esse no qual as populações indígenas são sempre minoritariamente representadas, ao contrário de seus opositores. Em resumo, o que antes era tratado como o reconhecimento de um direito passará a ser visto como uma demanda que poderá ou não ser atendida pelo Congresso Nacional a depender da vontade política de cada parlamentar e dos diversos interesses, especialmente econômicos, que se encontrarem em jogo.
É necessário que oremos e atuemos contra tamanho equívoco. Não devemos aceitar que os povos originários sejam arrancados de suas terras e que o reconhecimento de seu direito de existir seja vendido no balcão de negócios da política suja e de interesses inconfessáveis. Nós, povo evangélico que cremos em um Deus de Justiça, Criador e Senhor Soberano de toda a terra e tudo que nela há, não podemos aceitar que um bem que deve ser usado em benefício de todos, seja retirado daqueles que mais precisam e mais legitimamente o possuem e por isso assim nos manifestamos: Não a PEC 215!



[1]José Carlos é advogado e é articulador da Rede FALE em Uberlândia. Caio Marçal é Missionário e é da Coordenação Nacional da Rede FALE

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