Deixou-me profundamente inquieta a divulgação, pela revista The Lancet, de estudos médicos, na Inglaterra, que atribuem mais de um terço das mortes anuais de crianças com menos de cinco anos (em torno de 3,5 milhões) à falta de nutrição materna e infantil. Acrescentam os estudos que quatro entre cinco crianças que sofrem de desnutrição vivem em 20 países do planeta, sendo extremamente grave a situação de Mianmar, Índia, Uganda e África do Sul, dois países asiáticos e dois africanos, respectivamente.
Minha inquietação se aprofundou mais ainda, ao ler reflexões de Frei Betto, em seu livro Calendário do Poder, sobre a fome, por ele considerada o maior escândalo do Século XX: mata mais do que a violência, os acidentes e as enfermidades juntos! São 24 mortes por fome a cada dia no mundo.
Pergunto-me o que faz a divulgação desses dados tão chocantes ser tão restrita. Vem-me de pronto a idéia de que assim ocorre pela naturalização que imputamos usualmente à pobreza; pela banalização que envolve as injustiças sociais, cotidianas ou não; e, sobretudo, por serem as mortes por fome eminentemente marcadas pela classe social de suas vítimas: são os pobres que morrem de fome, e morrem de fome principalmente os pobres de países com elevados índices de pobreza e de desigualdade social.
Assim, nós outros calamo-nos quase sempre diante desse escândalo social, aparentemente inaceitável, posto que de fato banalizadamente aceito e vergonhosamente justificado, em tempos de tanto progresso material, tecnológico e do mundo da informação.
O que será preciso acontecer para que a nossa compreensão se amplie, de forma a superarmos tamanho descaso diante de mortes evitáveis, desde que revistas prioridades da vida política e social da família humana?
ÂNGELA PINHEIRO
Professora da Universidade Federal do Ceará, integrante do Nucepec (Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança) da UFC
(publicado no jornal O POVO, em 06/03/2008 - http://www.opovo.com.br/)
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