terça-feira, 26 de junho de 2018

Jesus, Bartimeu e o Grito dos Excluídos

Marcos Aurélio dos Santos

“E depois, foram para Jericó. E, saindo ele de Jericó com seus discípulos e uma grande multidão, Bartimeu, o cego, filho de Timeu, estava assentado junto do caminho, mendigando. E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim. E muitos o repreendiam, para que se calasse; mas ele clamava cada vez mais: Filho de Davi! tem misericórdia de mim. E Jesus, parando, disse que o chamassem; e chamaram o cego, dizendo-lhe: Tem bom ânimo; levanta-te, que ele te chama. E ele, lançando de si a sua capa, levantou-se, e foi ter com Jesus. E Jesus, falando, disse-lhe: Que queres que te faça? E o cego lhe disse: Mestre, que eu tenha vista. E Jesus lhe disse: Vai, a tua fé te salvou. E logo viu, e seguiu a Jesus pelo caminho”. (Mc.10.46-52). 




Esta passagem bíblica é um dos relatos mais notáveis na história da humanidade. Um cego pobre, vítima da opressão entre os excluídos, que vivia miseravelmente tem um encontro que mudaria sua vida de maneira radical. Um encontro que promoveu não somente uma mudança espiritual a partir de um milagre da cura de sua cegueira, mas algo que trouxe transformações mais abrangentes. A experiência de seu encontro com Jesus teve Implicações nas dimensões social, política e econômica. Um resgate de sua dignidade como ser humano em sua integralidade. Uma ação libertadora de Jesus.

Bartimeu, filho de Timeu, como é chamado nos escritos da Bíblia, era um cego que pedia esmolas na saída da cidade de Jericó, uma pequena cidade da Palestina que ficava situada a aproximadamente a dez quilômetros do rio Jordão. Nesta mesma cidade Zaqueu, o publicano, também teve um encontro com Jesus onde o recebeu em sua casa para uma conversa que o levou ao arrependimento quanto a opressão aos pobres. Jesus inicia seu ministério em um contexto de injustiça e opressão, estas cometidas pelos ricos e poderosos do templo de Jerusalém, centro dos poderes econômico, político, social, religioso e do saber. Foi neste contexto de desigualdade que Bartimeu teve um encontro com o Jesus de Nazaré, servo dos pobres que denuncia o opressor e acolhe o oprimido.   


Podemos pensar sobre algumas questões que envolviam a vida de Bartimeu. Ele não era apenas cego, mas um homem pobre, que dependia das esmolas dos que passavam pela estrada empoeirada na entrada da cidade. Possivelmente passava a maior parte de seu tempo em um mesmo lugar, não tinha muita opção de caminhar pela cidade pois era cego, talvez alguém o guiasse, não sabemos ao certo. Vivendo uma vida miserável como mendigo (pobreza extrema), estava entre os excluídos e marginalizados pela sociedade. O texto nos dá uma boa pista quanto a maneira como eram tratados os da classe ralé em Jericó. “E muitos o repreendiam, para que se calasse; ” Bartimeu era mais um dentre muitos dos excluídos pela classe média judaica e pela sociedade. Este não tinha a ninguém a quem recorrer se não ao Deus de Misericórdia. O grito do excluído ecoa entre a multidão. E, ouvindo que era Jesus de Nazaré, começou a clamar, e a dizer: Jesus, filho de Davi, tem misericórdia de mim! Um grito de quem por muitas das vezes não tem o que comer, sem lugar para se abrigar, com saúde fragilizada, sem alguém para oferecer um ombro amigo. Enfim, sem perspectiva de um renovo de esperança e sem dignidade.  


Bartimeu estava incluso no grupo dos esquecidos como no caso do coxo que estava assentado na porta do templo (At. 3.2), dos leprosos (Lc. 17.12) . Essas pessoas viviam em sua maioria na Galiléia, lugar onde Jesus começa seu ministério. Dentre estes haviam famílias pobres, camponeses que viviam sob opressão do império Romano, forçados a pagar altos impostos que chegavam a 50% da renda. Também pescadores que tiravam o sustento de suas famílias do mar da Galiléia e pequenos comerciantes.  Mas em meio ao sofrimento do povo emerge a boa notícia. É chegado o reino libertador de Deus. Jesus, o Nazareno passava por ali. Bartimeu não se intimida com a pressão negativa e preconceituosa de uma parte da sociedade de Jericó. Ele clama pelo filho de Davi, o Deus encarnado, a esperança para os cansados e sobrecarregados, o alivio para os que sofrem, o libertador, o salvador da humanidade.


Naquele dia Bartimeu encontrou dignidade. Jesus o curou, ele passou a ver e seguiu-o pelo caminho. Renasce uma nova vida, uma nova esperança, um novo amanhecer. As boas novas do reino chegaram à pequena cidade de Jericó. Ao passar a viver e ver a vida de forma abundante, Bartimeu recupera sua dignidade como ser humano, passou a ser gente, recuperou a auto estima, não precisava mais mendigar o pão, o Evangelho do Reino lhe trouxe a oportunidade de enxergar a vida além das migalhas e sobras depositadas em sua vasilha pelos que passavam pela estrada. Ele passa a caminhar com Jesus, agora faz parte do movimento libertário do homem da Galiléia que atendeu ao clamor de seu povo, é o Deus Javé, manifesto na pessoa do filho amado. Daquele dia em diante ninguém mais  teria razões para repreender Bartimeu para que se calasse, pois não estava mais assentado à beira da estrada, sujo de poeira e com fome, ele parte em busca de novos horizontes, de uma vida livre abundante, cheia de alegrias e rodeado de amigos e amigas.

O encontro de Jesus com Bartimeu nos traz algumas implicações práticas para hoje. Quantos Bartimeus estão vagando pelas ruas e becos de nossa cidade, estamos indo ao encontro deles?  Não seriam em sua semelhança os que mendigam nas paradas de ônibus, restaurantes ou nas esquinas? Ou moradores de rua que dormem nas calcadas e moram debaixo de viadutos? Ou ainda os homossexuais e prostitutas que vagam pelas ruas nas noites em constante perigo de morte? Jesus foi ao encontro de Bartimeu, e o acolheu. Ao exemplo do Homem de Nazaré, não devemos também ir ao encontro do pobre e levantar nossa voz contra todo tipo de opressão?  

Sobre o Autor: Marcos Aurélio é Teólogo e Ativista Social. É colunista do CEBI (Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos). Facilitador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito em Natal, RN e coordenador do Espaço Comunitário Pé no Chão.  

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O GOL E O SONHO

*Marcelo Santos



Douglas Costa, já livre dos marcadores, avançou pela grande área e cruzou a bola, a meia altura, para Neymar. O jovem craque brasileiro saltou, feito um colibri, e empurrou a bola para as redes. A emoção tomou conta do artilheiro. Enquanto lágrimas escorregavam pelo seu rosto, ele procurou uma das muitas câmeras de tevê. Juntou as mãos, feito um coração, e sussurrou um nome: “Marquinhos”.
Era uma referência ao menino de 14 anos, morto durante uma operação policial no Complexo de Favelas da Maré. Após o jogo, diante de uma placa de acrílico repleta de marcas de grandes empresas nacionais, como Itaú, Antártica, Sadia, Gol e outras, Neymar explicou sua homenagem. Disse que lamentava a violência sem limites no país que fez dele um garoto milionário. Criticou as ações policias que mais matam do que salvam.
O camisa 10 brasileiro lembrou que muitos jovens da Maré são como ele e seus colegas da Seleção. Garotos bons de bola que sonhavam com uma vida melhor. Com o gol. Com a alegria. Lamentou que muitos desses meninos, como grande parte de seus companheiros de time, também não tiveram nem mesmo o direito de crescer com o pai por perto. Neymar mostrou então uma das fotos que estampava os jornais na manhã em que a Seleção Brasileira conquistou sua primeira vitória na Copa. Era a foto da mãe do menino assassinado na Maré, segurando a camisa escolar manchada de sangue. Ele tornou a chorar, dessa vez copiosamente, sendo amparado por colegas do time. A entrevista teve que ser encerrada.
Um sonho de que um gesto de empatia qualquer ajude a gente a suportar estes terríveis dias de injustiça, violência e maldade.
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Marcelo Santos é Jornalista e membro da Igreja Betesda em Osasco


quinta-feira, 21 de junho de 2018

Trump, Feliciano, Sodoma e a barbárie contra imigrantes


*Texto de Sydnei Melo e Caio Marçal 



Como um governo que se diz cristão é capaz de tamanha barbárie? O governo Trump, apoiado pela direita cristã fundamentalista, tem massacrado e violentado os imigrantes.

Curiosamente, o governo que se assume como temente a Deus, se assemelha mais ao exemplo de Sodoma. Segundo a Palavra de Deus, “O pecado de sua irmã Sodoma foi este: ela e as cidades dependentes estavam cheias de soberba, abundância e despreocupação, mas não deram a mão para fortalecer o pobre e o indigente” (Ezequiel, 16: 49).

Diante das notícias repulsivas a que tivemos acesso hoje sobre a separação de crianças de suas famílias (imigrantes em condição de ilegalidade) pelo governo norte-americano, nos deparamos com uma fala absolutamente odiosa proferida pelo deputado e pastor Marco Feliciano.

Feliciano defendeu em tribuna que o governo Trump estaria apenas a cumprir uma lei, uma lei que teria sido criada pela "esquerda" - como se referiu aos presidentes Bill Clinton e Barack Obama, acusados como responsáveis pela adoção de tal política.

Marco Feliciano diz ter estudado a questão. Não fazemos ideia de que fontes ele utilizou. Mas, a princípio, é importantíssimo saber que: Trump usa, de fato, a justificativa de tal política de separação ser "culpa" dos democratas. Reproduzimos a nota da BBC a respeito:

"Trump culpou os democratas pela política, dizendo que 'temos que separar as famílias' por causa de uma lei que 'os democratas nos deram'.

Não está claro, porém, a que lei ele se refere, pois não há lei aprovada pelo Congresso dos EUA que determine que as famílias migrantes sejam separadas.

Verificadores de fatos dizem que a única coisa que mudou foi a decisão do Departamento de Justiça americano de processar criminalmente os pais pela primeira vez ao cruzar a fronteira. Como seus filhos não são acusados ​​de um crime, eles não podem ser presos junto com eles".

Também segundo a BBC, tal ato de separação se intensificou com a adoção de política de "tolerância zero" contra imigrantes ilegais por parte da procuradoria-geral norte-americana:

"As crianças estão sendo separadas dos pais na fronteira entre os EUA e o México como resultado da política 'tolerância zero' introduzida em maio pelo procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, e alvo crescente de críticas.

Essa política prevê que adultos que tentam atravessar a fronteira - muitos deles planejando pedir asilo - sejam colocados sob custódia e que enfrentem processos criminais por entrada ilegal no país.

Como resultado, quase 2 mil crianças foram separadas de seus pais depois de cruzarem ilegalmente a fronteira, de acordo com balanço divulgado na última sexta-feira.

Elas ficam abrigadas em centros de detenção, mantidas longe de seus pais".

É revoltante situação assim. Dá asco ver deputado que se diz crente relativizar este tipo de postura governamental com o intuito de atacar adversários políticos. Pior, parece que para o deputado pastor, que se diz defensor pró-família, a sacralidade da família dos imigrantes não tem a menor importância. O mandato do deputado Marco Feliciano fede a enxofre.

Ore pelos imigrantes que estão nos Estados Unidos e por suas famílias. Ore para que os pobres e marginalizados sejam alvo do nosso amor em todo o globo terrestre.

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Sydnei Melo é presbiteriano e Doutorando em Ciência Política pela UNICAMP;
Caio Marçal é batista e Mestrando em Sociologia pela UFMG.