José Carlos M. Filho e Caio César
S. Marçal[1]
“Ai dos que ajuntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até
que não haja mais lugar, de modo que habitem sós no meio da terra“!
Isaías 5-8
“Que novos males
Nos resta de sofrer? - que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
- As setas da aflição já se
esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta“.
I-Juca-Pirama- Canto VI- Gonçalves Dias
Tramita nesse momento no Congresso Nacional a Proposta
de Emenda à Constituição 215 (PEC 215), projeto de modificação constitucional
que representa talvez um dos maiores ataques aos direitos indígenas já
vivenciados na democracia brasileira. Em síntese, a PEC 215 transfere a
competência para a demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional,
retirando esta atribuição do Poder Executivo.
O que está em jogo é o risco a preservação do já
reduzido remanescente indígena do nosso país, uma vez que a demarcação de suas
terras se tornará objeto de negociatas políticas e da resistência da bancada
ruralista, que conta com força considerável. Num Congresso composto
majoritariamente por parlamentares ligados ao agronegócio e a outros setores
econômicos que possuem interesse direto sobre (e contra) as terras indígenas,
não deixa de ser preocupante que essa proposta seja aceita. É preciso que se
diga que nossa Constituição Federal reconheceu como fundamental o direito
originário dos povos indígenas à ocupação tradicional de seus territórios, bem
como de seus costumes, línguas,
tradições e organização social. O Brasil
é a nação que tem a maior variedade de povos indígenas em todo mundo, e a
conservação dessa diversidade depende essencialmente da garantia de fruição de
seus territórios tradicionais.
Caso a PEC 215 seja aprovada, representará o fim do
reconhecimento do direito originário dos povos indígenas sobre suas terras,
pois ao invés de simplesmente se identificar quais regiões são historicamente
ocupadas por populações originárias para lhes conceder o seu devido
restabelecimento na área, a demanda das demarcações dependerá do resultado do
processo político majoritário, processo esse no qual as populações indígenas
são sempre minoritariamente representadas, ao contrário de seus opositores. Em resumo,
o que antes era tratado como o reconhecimento de um direito passará a ser visto
como uma demanda que poderá ou não ser atendida pelo Congresso Nacional a
depender da vontade política de cada parlamentar e dos diversos interesses,
especialmente econômicos, que se encontrarem em jogo.
É necessário que oremos e atuemos contra tamanho
equívoco. Não devemos aceitar que os povos originários sejam arrancados de suas
terras e que o reconhecimento de seu direito de existir seja vendido no balcão
de negócios da política suja e de interesses inconfessáveis. Nós, povo
evangélico que cremos em um Deus de Justiça, Criador e Senhor Soberano de toda
a terra e tudo que nela há, não podemos aceitar que um bem que deve ser usado
em benefício de todos, seja retirado daqueles que mais precisam e mais
legitimamente o possuem e por isso assim nos manifestamos: Não a PEC 215!
[1]José
Carlos é advogado e é articulador da Rede FALE em Uberlândia. Caio Marçal é
Missionário e é da Coordenação Nacional da Rede FALE
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