A Aldeia conquistou uma grande vitória: a resistência dos povos indígenas e de todos(as) que os(as) apoiaram fez o governo do estado do Rio de Janeiro desistir da demolição do prédio. No entanto, ainda restam dúvidas se os objetivos dos indígenas serão respeitados pelos governos estadual e municipal. Colaboradores do FALE no Rio de Janeiro passaram por lá para conhecer, apoiar, ajudar e lutar pelos direitos dos povos indígenas ali representados. Dentre eles, Priscila Machado (foto 3), do Coletivo de Igrejas Eco-cidadãs, e Taís Lara (foto 2), estiveram no local e registraram. Neste texto abaixo, Marília Gonçalves, jornalista do Canal IBASE, conta sua experiência na Aldeia Maracanã, durante o período do conflito.
Conhecendo a Aldeia Maracanã
Marília Gonçalves
Não é
preciso muito tempo para perceber que a Aldeia
Maracanã é mais do que um prédio ocupado ou um movimento político.
Por trás da resistência que ganha cada vez mais força e adeptos, está recortado
ali um pedaço da história. Mais do que a história do prédio, a história de
cerca de trinta etnias indígenas que vivem no Rio de Janeiro tendo como porto
aquele espaço. Nos últimos dois meses, este povo tem alternado gritos e
suspiros, num constante estado de tensão causado pela insistência
do governo do Estado em demolir o prédio para construção de um estacionamento.
“Me
perguntaram se eu sou mesmo índio. Eu ri. As pessoas costumam dizer que os
índios estão invadindo a cidade. Será? Ou será que a cidade foi quem veio até
os índios? Eu nunca saí da costa”. O desabafo é de Urutau Guajajara. Ele veio do
Maranhão para o Rio de Janeiro há 20 anos – sua primeira vez aqui foi para
participar da ECO 92,
conferência mundial sobre ecologia promovida pela Organização das Nações Unidas realizada
na época. Exceção entre os indígenas que ocupam a Aldeia, que majoritariamente
têm no comércio de artesanato sua maior fonte de renda, Urutau é bolsista
da UFRJ, onde termina este ano
mestrado pelo Museu
Nacional, sobre línguas indígenas. Ele dá aulas de Tupi Guarani na
Aldeia, pretende fazer doutorado e defende a revitalização do espaço para que
funcione como uma espécie de universidade de saberes dos ‘povos originários’.
Até
conhecer Urutau, circulei pela pela Aldeia, onde cheguei sem me identificar. Os
portões estavam trancados por um cadeado e foram abertos por uma pessoa que,
aparentemente, tinha a função de guardá-lo. Hoje, são mais ou menos 150 os que
vivem naquele grande prédio que preservou, há algumas décadas, a cultura
indígena num museu fundado por Darcy
Ribeiro. Os novos moradores também vivem em torno das ruínas do antigo
museu, onde construíram suas ocas – pequenas casas, algumas de tijolo, algumas
de barro, minimamente equipadas com geladeira, sofá, fogão.
As
condições do velho prédio não são boas. Não parece ter havido nenhum tipo de
preocupação ou investimento na preservação do patrimônio ao longo dos anos,
mesmo antes dos índios ocuparem o espaço em 2006. As janelas do museu ficam de
frente para a Avenida Presidente Castelo Branco, a Radial Oeste, e a entrada,
por duas pequenas escadarias no lado oposto. Da escada que ligaria ao segundo
andar sobrou apenas a estrutura de ferro, exigindo um certo malabarismo de quem
se arrisca a ocupar aquele espaço – seja para dormir, seja somente para pegar
um melhor sinal da internet.
Passear
pelo interior do prédio demanda desviar das dezenas de barracas montadas em
quase todos os cômodos. “Quer matar um povo? Então roube-lhes a cultura”. Nas
paredes, em muitas frases e fotografias lê-se expressões de resistência e
alegria dessa gente. Uma grande mesa, em um canto, concentra cartazes e muitos
pequenos potes de tintas coloridas. No último cômodo, uma estante de livros
atrai algumas crianças para uma brincadeira. Tem vida por ali, a cada passo que
se dá.
Lá fora,
além das ocas, um generoso quintal bastante arborizado parece deixar mais “em
casa” esses antigos proprietários, novos moradores. Tem barro no chão, grandes
árvores que espalham nele suas folhas e frutos e um cheiro próprio,
indescritível. É apenas um muro simples que separa a Aldeia da estrada, mas é
possível sentir de imediato o contraste no clima desses espaços. Dentro
daqueles muros um certo frescor acolhe as pessoas enquanto o sol queima o
asfalto lá fora.
O terreno
do antigo museu tem 14 mil metros quadrados, mas os índios não ocupam todo este
espaço. Na verdade, quando o prédio ainda estava abandonado, o Ministério da Agricultura implantou
ali o Laboratório Nacional Agropecuário (LANAGRO), que hoje também está sendo
retirado para que o espaço seja ocupado pelas empreiteiras que realizam a reforma
do Maracanã. O Laboratório funcionou por anos tendo como vizinho o
prédio abandonado, mas, quando os índios o ocuparam, em 2006, os funcionários
do LANAGRO relatam terem sido aconselhados a “não se meter com eles”. Por conta
disso, um muro, que até hoje os separa, foi construído.
Num dia de
sol, o entra e sai de pessoas no local é muito grande. Nem dá pra saber de onde
vêm. França, Bélgica, Buenos Aires. Maranhão, Goiás, São Paulo. Para fazer um
filme, uma intervenção artística, escrever uma matéria ou simplesmente apoiar a
causa. Sim, muitos vieram apoiar a causa das formas mais simples e solidárias
que se pode: no “controle” do portão, do livro de assinaturas, na cozinha, no
que precisar, afinal. O grande grupo se divide em comissões de apoio à
comunicação, à cozinha, à programação.
Se é um dia
de chuva, é tanto para fora quanto para dentro do prédio. Mesmo no primeiro
piso, as goteiras garantem que ninguém fique seco por muito tempo. É preciso
passar o rodo todo o tempo para escoar a água acumulada. Qualquer descuido pode
causar um alagamento mais sério no interior do prédio. Por tantos anos, por
tantas chuvas, não houve quem cuidasse daquela estrutura centenária que hoje
sofre as consequências.
Está quase
chegando ao fim o prazo para que 25 lideranças indígenas desocupem o local.
Elas receberam, no dia 18 de janeiro, uma
notificação da Procuradoria Geral do Estado pedindo sua retirada em até 10
dias. Enquanto isso, a Aldeia Maracanã recebe a cada dia mais
colaboradores, entre artistas e anônimos, engajados e curiosos. Por essa o
governo do Estado não esperava: que a população do Rio não assistisse
anestesiada pela “alegria da Copa” a série de ações arbitrárias que chegaram
com o evento. Tomara que possamos contar que a mobilização seja já um legado
social.
Fonte: Canal Ibase
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